VejaA gangorra dos númerosA seis meses das eleições, o que valem as pesquisas de intenção de voto? Pouco. Coloque uma Copa do Mundo no meio e elas talvez valham ainda menos. Acrescente a famosa "margem de erro", que faz um candidato com hipotéticos 34 pontos valer apenas 32 ou já ter chegado a 36. Mas o que se briga por causa dos resultados é uma enormidadeOtávio Cabral e Alexandre Oltramari
As pesquisas eleitorais surgiram no país há mais de meio século. Mais duradouras que a própria democracia, essas máquinas de captar e aferir tendências buscam reproduzir, com base em entrevistas e projeções matemáticas e estatísticas, cenários reais, seja para averiguar quantos ouvintes tem uma emissora de rádio, seja para verificar o nome mais adequado para uma nova marca de sabão em pó. Os institutos de pesquisa, porém, ganham notoriedade, importância e destaque quando o assunto é eleição. Nada mais compreensível, portanto, que, faltando menos de seis meses para o início do pleito que promete ser o mais interessante das últimas décadas, todas as atenções se voltem para os prognósticos produzidos a partir dos dados colhidos pelos quatro maiores e mais tradicionais institutos brasileiros – Datafolha, Ibope, Vox Populi e Sensus. Ao contrário do que se espera de um trabalho cartesiano, os resultados apresentados na primeira grande rodada de pesquisas são discrepantes, sugerem realidades distintas e permitem interpretações variadas e contraditórias. Os números indicam que o ex-governador José Serra está liderando a disputa. Dependendo da pesquisa e de como ela é analisada, a ex-ministra Dilma Rousseff também pode surgir na dianteira. Contemplando ainda um terceiro cenário, nem um empate é descartado. Como as três hipóteses não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, a única certeza é que alguém errou – e errou feio. O Datafolha coloca o candidato José Serra 10 pontos à frente de Dilma Rousseff. A Sensus, a novata dos grandes, informa que essa diferença é de irrisório 0,3 ponto porcentual. O Ibope, dono do levantamento mais recente, crava o tucano a 7 pontos da petista. No Vox Populi, a diferença entre os dois encolhe para apenas 3 pontos. Em comum, todos apontam a liderança do candidato do PSDB. O que isso significa? Primeiro que, claramente, quando questionados, há mais eleitores dizendo agora que votariam em José Serra para presidente do que em Dilma Rousseff. Fora isso, todo o resto é menos certo, começando pelo verbo "dizer", que é bem diferente de "votar". Se os dois verbos se equivalessem, as eleições no Brasil poderiam ser decididas por aclamação – ou por pesquisas de intenção. Em nenhuma democracia avançada essa possibilidade seria sequer aventada. Os números são ainda menos definidores do quadro político por uma razão adicional: o que se "diz" agora pode não ser o que se "fará" em outubro. Por quê? Principalmente porque a maioria dos 133 milhões de eleitores brasileiros simplesmente não está pensando em eleições e candidatos agora e só vai fazer isso depois da Copa do Mundo, quando a campanha na televisão tiver começado. Mas, do ponto de vista metodológico, a verdadeira barriga de crocodilo das pesquisas de intenção de votos é a margem de erro. Ela é um desvio estatístico inerente à pesquisa – que não existe no voto, que é contado um a um. De modo geral, os institutos de pesquisa assumem que seus resultados são corretos apenas quando considerados dentro de uma faixa que varia 2 pontos para cima ou para baixo. Ou seja, o candidato que aparece com 30 pontos em uma pesquisa pode ter, na margem superior, 32 pontos ou, na margem inferior, 28 pontos. Quando se imagina que um concorrente mais próximo tem sua pontuação submetida ao mesmo sistema, quem aparece em primeiro pode estar em segundo – ou ambos podem estar empatados. Não se fala aqui de Serra e Dilma, mas de candidatos hipotéticos. Portanto, a rigor, não deveria haver razão para tamanho acirramento de ânimos em torno das pesquisas de agora. Mas a coisa está fervendo. O PSDB interpelou o Sensus e reclamou do Vox. O PT fez acusações contra o Datafolha e o Ibope. É natural e compreensível que seja assim. Afinal, a eleição deste ano, a primeira sem Lula em duas décadas, promete ser a mais acirrada desde a redemocratização. A diferença desta vez é que os institutos acusaram o golpe e se engalfinharam, numa surpreendente e inédita troca de insinuações sobre métodos, procedimento e idoneidade. O embate chegou a tal ponto que, há duas semanas, representantes de cada um dos quatro institutos se encontraram para tentar contornar as diferenças. A reunião, porém, se transformou em uma troca de acusações pesadas. Mauro Paulino, diretor do Datafolha, e Márcia Cavallari, representante do Ibope, propuseram uma padronização dos questionários das pesquisas sobre eleição presidencial. A proposta continha uma crítica às técnicas do Vox Populi e da Sensus, que, antes de perguntar sobre intenção de voto, questionam a situação da economia, no caso do Vox, e a popularidade do governo Lula, no caso do Sensus. Segundo Datafolha e Ibope, esse modelo induz o entrevistado a apontar Dilma Rousseff, a candidata do governo. Coube ao representante do Vox Populi, João Francisco Meira, o ataque mais pesado contra os concorrentes. Em tom de voz alterado, ele acusou o representante do Datafolha de usar o jornalFolha de S.Paulo, controlador do instituto, para "desqualificar" seus rivais e "roubar" seus clientes. A prova, segundo ele, eram notícias publicadas no jornal com críticas aos métodos utilizados pelo Vox. Segundo a Folha, na última pesquisa o Vox Populi teria repetido o roteiro de endereços de entrevistas usado em levantamentos anteriores, além de ter exibido um questionário em que o nome dos candidatos aparecia sempre acompanhado do cargo que já haviam exercido, à exceção de José Serra. Dilma era "ministra Dilma". Serra era apenas José Serra, ou melhor, "arreS ésoJ" (o nome dele aparecia invertido). Tudo isso teria favorecido a candidata do PT. "Não vou me manifestar sobre esse debate porque acho que não acrescentaria nada. Mas posso dizer que tudo o que foi dito na reunião ocorreu em clima de total sinceridade", explicou João Meira. Ao contrário do que parece, a confusão nunca foi a marca dos institutos brasileiros. As suspeitas de manipulação de números, que sempre surgem contra um ou outro instituto em praticamente todas as eleições, nunca foram comprovadas. O índice de acerto das pesquisas, de 98%, só é comparável ao das democracias mais maduras, conforme um estudo do cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Diz ele: "No Brasil, as pesquisas eleitorais não ficam devendo a nenhum outro país do mundo". Segundo especialistas consultados por VEJA, a explicação para o salseiro que se apresentou no início desta campanha é a confluência de dois fatores presentes nas sondagens atuais. Um deles é a falta de interesse pelas eleições e a consequente indefinição do eleitorado. De acordo com as pesquisas já divulgadas, quando são convidados a declarar o voto sem ver uma lista de candidatos, técnica conhecida como pesquisa espontânea, sete em cada dez eleitores não sabem responder. Os mesmos entrevistados, porém, acabam declarando o voto quando confrontados com uma lista, técnica chamada de pesquisa estimulada. "Como a maioria ainda não escolheu candidato, as pesquisas estimuladas extraem as preferências de uma massa volátil. É muito natural que sondagens feitas em dias diferentes captem essas mudanças sem que nenhum evento extraordinário tenha ocorrido entre eles", explica a socióloga Fátima Pacheco Jordão, uma das maiores especialistas em pesquisas eleitorais do país. A falta de interesse pelas eleições, que tem contribuído para a confusão sobre a disputa presidencial, também nunca foi tão grande como agora. Em 2006, seis meses antes da eleição, metade do eleitorado já sabia apontar seu candidato de maneira espontânea. O mesmo índice era verificado em 2002. A inédita apatia eleitoral, no entanto, não explica isoladamente a divergência dos institutos sobre os rumos da sucessão. A segunda – e talvez decisiva – razão para as divergências é que, embora utilizem o mesmo método para tomar o pulso dos eleitores, os quatro maiores institutos de pesquisa brasileiros adotam técnicas distintas. As principais diferenças são o local e a maneira como os entrevistados são abordados pelos institutos. Enquanto o Datafolha colhe as opiniões em pontos de fluxo, como rodoviárias e shoppings, os demais institutos fazem pesquisas domiciliares. Segundo os especialistas, opiniões colhidas na rua, pelo menos em teoria, são emitidas com maior liberdade que as expressadas na porta de casa. "As duas técnicas têm justificativas científicas. Mas os resultados, em geral, não podem ser tão divergentes", diz o cientista político Alberto Carlos Almeida. Mais que o local das entrevistas, porém, talvez nenhum outro fator seja tão potencialmente capaz de produzir distorções quanto a maneira como os entrevistados são abordados. As estimativas mais polarizadas sobre a sucessão presidencial, dos institutos Datafolha e Sensus, estão separadas por 10 pontos porcentuais de diferença e por abordagens totalmente distintas. No instituto Datafolha, os pesquisadores são orientados a não fazer perguntas antes de questionar em quem o entrevistado votará na próxima eleição. "O questionário é o coração da pesquisa", explica o diretor do Datafolha, Mauro Paulino. "Não fazemos perguntas sobre a avaliação do governo nem a razão da escolha antes de questionar em quem o eleitor votará. Isso pode influenciar a resposta." A Sensus, por sua vez, não vê problema algum em utilizar uma técnica que vai na contramão da do Datafolha. Em todas as suas pesquisas, o instituto questiona a avaliação do entrevistado sobre o governo Lula, o mais popular presidente do país, antes de perguntar em quem ele vai votar nas próximas eleições. "Na literatura de pesquisa, é metodologicamente lícito constarem perguntas que repliquem a estrutura natural de decisão do eleitor", defende-se o diretor da Sensus, Ricardo Guedes. Na semana passada, o ministro Ricardo Lewandowski assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Uma de suas primeiras missões no cargo será decidir sobre uma investigação pedida pelo PSDB sobre a Sensus por supostas fraudes na pesquisa. É difícil imaginar que possa haver uma convergência entre os quatro institutos num momento em que existem divergências até mesmo dentro das próprias empresas. Em agosto passado, o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, afirmou em entrevista a VEJA que Lula não conseguirá fazer seu sucessor. Montenegro disse que o PT estava em "processo de decomposição" e que Serra seria eleito presidente – isso a mais de um ano das eleições. A entrevista causou uma crise dentro do próprio Ibope. Os petistas reclamaram. A diretoria condenou a entrevista de Montenegro e foi unânime em afirmar que declarações como essa abalam a credibilidade da empresa e podem afugentar clientes. "Nosso negócio é diagnóstico, não prognóstico", explica Márcia Cavallari. Desde então, Montenegro deixou de dar entrevistas. Está afastado da área de relacionamento com os clientes e dedica-se apenas a assuntos internos do Ibope. A seis meses das eleições, com um cenário político ainda indefinido, é de perguntar o porquê de tanto barulho. As pesquisas eleitorais têm efeitos e consequências peculiares conforme o estágio da disputa. Agora, por exemplo, elas são decisivas para a definição de candidatos e suas coligações. Foi graças às sondagens eleitorais que o ex-governador de São Paulo José Serra garantiu a vaga de candidato do PSDB à Presidência, adiando o sonho presidencial do ex-governador mineiro Aécio Neves. "Muitos diziam que a candidatura de Aécio era mais promissora. Mas como poderíamos ignorar o fato de que o Serra há mais de dois anos aparece nas pesquisas com quase 40% das intenções de voto?", questiona o presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Numa etapa posterior, pesquisas eleitorais qualitativas, que buscam sondar os anseios do eleitorado, são decisivas para moldar o comportamento e o perfil dos candidatos. O caso mais conhecido envolve o presidente do Vox Populi, Marcos Coimbra, e o ex-presidente Fernando Collor. Primo de Collor, Coimbra detectou que o candidato ideal deveria ter uma imagem de esportista. Collor passou a se exibir ao volante de carros esportivos e fazia corridas diárias em Brasília. Após seis meses de suor, foi eleito com 53% dos votos. Desconhecido, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta também foi um caso de sucesso de candidatura construída em laboratórios de pesquisa. Ciro Gomes, que até a semana passada era candidato à Presidência pelo PSB, foi ejetado da posição diante do pífio desempenho captado pelas pesquisas. Divergências entre institutos também não devem, em princípio, causar grandes preocupações. Uma das razões é que o porcentual do eleitorado que acaba utilizando as pesquisas para orientar seu voto é muito baixo, inferior a 10%. Além disso, as divergências estatísticas diminuem, quase sempre flutuando dentro da margem de erro, com a proximidade da eleição – quando as pesquisas ficam mais frequentes e a volatilidade do eleitorado diminui. Por fim, já surgiu até um modelo para dar mais racionalidade à selva de números conflitantes. Nos Estados Unidos, em vez de tentar padronizar técnicas diferenciadas, criou-se um meio particular de leitura de pesquisas. A ONG Real Clear Politics adotou um índice que reflete a média de dezesseis institutos que fazem pesquisas com os mesmos métodos e técnicas diferentes. Na campanha de Barack Obama, a média apurada no final foi muito semelhante ao resultado das urnas. Esse modelo já começa a ser usado no Brasil. "A média dilui eventuais falhas e diferenças entre os institutos", afirma Figueiredo. Em muitos lugares, porém, essa solução nem seria possível. Em países como Rússia, Paquistão, Irã e China, há apenas um ou dois institutos de pesquisa, em geral ligados ao governo. Fraudes e manipulações eleitorais são constantes. Apesar de preocupantes, as divergências podem ser usadas como uma tremenda aliada da democracia – supondo, é claro, que todos os institutos ajam com correção.
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sábado, 24 de abril de 2010
Sobre as pesquisas eleitorias
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