Na despedida, José Serra abraça aliados e encaixota papéis
Claudio Leal
Terra
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A cadência do futebol na voz locutor: "Quem ama São Paulo levanta a mão! É o nosso governador... Ele levanta a mão direita..." O telão exibe os passos de José Serra, após o encerramento da despedida oficial, no auditório Ulysses Guimarães, Palácio dos Bandeirantes. Em minutos ele assume a respiração de candidato a presidente da República. Enérgico, sorridente, caminha com a primeira-dama, Mônica Serra. No mezanino, outro discurso aos populares fincados nos jardins do Morumbi.
"Eu não estou na vida pública, não persegui posições de poder por causa do prestígio, por causa da notoriedade, por causa da badalação, para ser o centro das atenções que caracterizam o exercício do poder..."
A sucessão presidencial serpenteia os líderes do PSDB, remanescentes no auditório. Acariciado por Serra durante a leitura do "balanço da gestão", após ter sido aclamado pela claque paulista, Tasso Jereissati avalia que as negociações eleitorais começam pra valer a partir daquele 31 de março. Um jornalista dramatiza:
- Senador, Dilma é a candidata. Mas, e o Lula? Ele não continua no poder?
Jereissati se posiciona para uma foto.
Elevador
Centenas de prefeitos e deputados do baixo clero tateiam no hall do Bandeirantes, observados por quadros dos ex-governadores, expostos na escadaria principal.
- Deputado!
- Prefeito!
- Aqui tem, por baixo, mais de 400 prefeitos... - estimam, por alto.
Dura certeza de que não existe um só eleitor, apenas eleitos no recinto. Lado a outro, um homem usa a comprometedora camisa amarela: "Cunha apoia Serra Presidente". À cunha, os corredores viram um parlamento informal. Todos buscam chegar à sala de despachos, onde o ex-governador receberá os cumprimentos. Mas poucos do baixo clero conseguem ultrapassar a barreira do elevador. Ou das escadas.
- Esse adesivo não permite, desculpe.
Ultrapassadas duas portas de madeira, o salão do segundo andar se revela coberto de próceres do PSDB (de Sérgio Guerra a José Anibal), aliados eleitorais como Orestes Quércia, altos funcionários públicos, amigos e parentes do pré-candidato tucano. Pequenos sanduíches, refrigerantes e copos d'água circulam entre os convidados.
A ausência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aparentemente, não amargou as rodinhas. Sem concorrência de plumagem, Serra centralizou o entardecer no palácio. A apenas cinco passos da soleira, estacionou para fotos, abraços, parabéns e últimos pedidos.
Caderninho
José Serra transparece ter um assunto específico a tratar com todos os interlocutores. Chama-os pelos nomes, na maioria das vezes. Jayme Gimenez, subsecretário de Assuntos Parlamentares (Casa Civil), se despede e ouve do ex-chefe:
- O caderninho que você fez deveria ser adotado por todos os prefeitos de São Paulo. Parabéns, está muito bom.
Presidente do PSDB de Matão, Gimenez fica ancho com o elogio e explica a engenharia do caderninho:
- O governador ia embarcar, no avião, e me disse que iria ler. Ele cumpriu a promessa. Esse caderninho registra todas as obras que o governo fez em Matão, divididas por setores, com o valor do investimento. E eu pus todas as emendas parlamentares, inclusive as do PT.
A memória
O ex-senador Roberto Freire (PPS), pré-candidato a deputado federal, permanece por longos minutos no térreo. Dois homens se aproximam - sorrisos de quanto-tempo! - e iniciam o duelo da tarde:
- Senador, está lembrado da gente?
Cara especulativa. Silêncio.
- Do Frei Caneca...
Cara de varredura na memória.
- Nós conversamos, lembra, senador? Foi um papo bom...
Freire retribui com um olhar opaco. Destemido, o presidente do PPS decifra as duas esfinges:
- O que teve no Frei Caneca mesmo?
- Vou dar uma dica: o lançamento da Aplausos...
Hein? De repente, faísca. Freire bate a mão no peito do eleitor:
- Ah, lembrei! Aquele lançamento com um bocado de livro espalhado... Como vão?
- Isso! Nossa, o senhor lembrou! Foi uma conversa ótima, não esquecemos. Vou lhe deixar meu cartão. Está aqui! (escritório de contabilidade).
- Obrigado. Eu vou lhe ligar, hein?
- Por favor, senador...
A tia de Serra
Espremida entre os convivas do ex-governador, uma senhora se lança contra o torvelinho de políticos. Com blusa verde e colar, observa com intimidade os rostos do poder, entretanto se depara com um partidário que não a reconhece.
- Quem é a senhora?
- Sou a tia dele aí, ô!
- Tia?
- Tia, meu filho. Daquelas tias bem gordurosas, conhece? Dá licença, quero me despedir...
A tia de Serra cumprimenta Almino
O ex-ministro do Trabalho (do governo João Goulart) Almino Affonso antecipa um ora-viva para a amiga, a tia.
- E o senhor me conhece?
- Conheço. A senhora não é tia do... (indicador voltado para Serra)
- Ah, é o Almino! Almiiino... Por onde você anda?
(Abraço).
- A senhora está ótima!
- Você também está ótimo!
E se deram adeus. O repórter estimula uma palavrinha sobre o sobrinho. Tão astuta quanto Serra, que citou as "minhas tias" no discurso de despedida, ela aponta para o pescoço, desconversa:
- Sou a tia Carmela. Ah, eu não dou entrevista, estou com a garganta... sabe? Não posso falar. Estou cansada. E eu também não sou de falar. Já está na minha hora de ir, tudo bem? Muito prazer.
Palmas do Geraldo
Num dos extremos da sala, vê-se o ex-governador Orestes Quércia, do PMDB, algo distanciado dos cardeais tucanos, à exceção de Arnaldo Madeira. Depois de ligeiras conversas, Quércia abraça rapidamente José Serra e some no elevador.
Nos salões do Palácio, mais sorte encontrou o pré-candidato ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Portava o sorriso elástico de segundo mais fotografado da tarde. Serra o convoca para um clique.
- Preciso levar comigo um pouquinho das palmas que deram para o Geraldo... Vocês viram? Quero essas palmas... - amacia o presidenciável.
Alckmin nada responde. Smile. Retira as mãos dos ombros de Serra e retorna para outros grupos. Defronte ao bar, o discreto Alberto Goldman, governador de São Paulo a partir de abril e crítico da escolha de Alckmin para concorrer ao governo do Estado. Claro, o ex-prefeito de Pindamonhangaba passou longe de Goldman, deixando-o livre para a companhia do ex-chefe da Casa Civil Aloysio Nunes Ferreira.
Smile: o ex-governador Geraldo Alckmin
No centro, o senador Alvaro Dias segreda com o presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Indagado sobre a campanha do ex-prefeito de Curitiba Beto Richa, Dias brinca:
- As coisas lá ainda estão complicadas. Meu irmão, Osmar (Dias), também é pré-candidato. Mas o governador (Roberto Requião, PMDB) está tentando cooptá-lo. Queremos trazê-lo do lado de lá para o lado de cá...
Meia hora depois de ter entrado na sala de despacho, Serra consegue caminhar mais livremente e como que confirma as palavras do discurso de uma hora atrás: "Sou sério, mas não sou sisudo. Quem me conhece sabe". Liberado do governo, imerso na campanha presidencial, ele revela a Terra Magazine seu primeiro ato depois do desligamento do cargo:
- Empacotar papéis. É um inferno. É um inferno! Olha, são muitos papéis. Você nem imagina...
E se distancia para cumprir um papel.
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