Hora de união, por Fernando Henrique Cardoso*
A visão de futuro mostra quem é verdadeiramente líder. No auge das lutas pela volta às eleições diretas e pelo fim do autoritarismo, três personagens, cada qual à sua maneira, foram decisivos para que conseguíssemos mudar o rumo do país. Não foram os únicos. Muita gente se empenhou desde a campanha das Diretas Já com o mesmo propósito. Nem se deve esquecer o papel desempenhado pelas grandes greves do ABC e por seus líderes. Mas, a partir da derrota da emenda Dante de Oliveira, quando se colocou a possibilidade de derrotar o candidato do Sistema utilizando-se o próprio Colégio Eleitoral, a condução do processo passou a depender de Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Tancredo Neves.
Houve hesitação sobre o que fazer. Fiz um discurso no Senado trocando o lema Diretas Já por Mudanças Já, com a convicção de que poderíamos derrotar os donos do poder. Foi difícil para Ulysses Guimarães tragar a dose e aceitar as eleições indiretas, ele que fora o anticandidato em 1974 e cujo nome se identificava com as eleições diretas. Foi mais difícil ainda, uma vez deslanchado o processo de conquista de votos no Congresso, unir a oposição em torno de um nome.
Ulysses até aquele momento fora o condutor indiscutido das oposições democráticas. Entretanto, pela dureza das posições que assumira na crítica ao regime autoritário, teria dificuldades em granjear votos entre os que, diante do desgaste do poder, da crítica de uma imprensa mais livre, dos movimentos de protesto em massa e das dificuldades econômicas, se predispunham a mudar de posição. Sem o apoio destes, a derrota era garantida. Na época, presidente do MDB de São Paulo e muito próximo a Ulysses Guimarães, disse-lhe com muito pesar, pela enorme admiração e respeito que nutria por ele, que a vez seria de outro.
Roberto Gusmão, chefe da Casa Civil do governo Montoro, havia declarado nas páginas amarelas da Veja que São Paulo se uniria a Tancredo Neves para a conquista da Presidência. Ulysses fez questão de ouvir a decisão da voz do governador de São Paulo. Acompanhei-o ao Palácio dos Bandeirantes em um encontro com o governador Montoro e com Roberto Gusmão. Montoro poderia pretender legitimamente a candidatura à Presidência: ganhara as eleições diretas em São Paulo com votação consagradora. Percebeu, entretanto, que no caso das eleições indiretas Tancredo teria melhores oportunidades. Reafirmou este ponto de vista a Ulysses. Mais do que os méritos e as ambições de cada um, contava o momento histórico. Ou nos uníamos e ampliávamos a frente contra o autoritarismo ou este permaneceria por mais tempo, esmaecido que fosse, com a eleição de Paulo Maluf, candidato da Arena. A visão de futuro e o interesse nacional contavam mais do que as biografias. Tiveram grandeza. São Paulo se uniu a Minas para que o Brasil avançasse e Ulysses chefiou a campanha pela eleição de Tancredo.
Passados 25 anos, nos encontramos frente a circunstâncias históricas que novamente requerem grandeza dos líderes e unidade de todos. Não está em jogo o admirar ou não o presidente Lula, nem mesmo as qualidades de liderança (ou a falta delas) de sua candidata Dilma Rousseff. Por trás das duas candidaturas polares há um embate maior. A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará, pouco a pouco, para um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e algumas grandes corporações, especialmente públicas, unem-se sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários. Especialmente de um partido cujo programa recente se descola da tradição democrática brasileira, para dizer o mínimo. Cada vez mais nos aproximamos de uma forma de organização política inspirada em um capitalismo com forte influência burocrática e predomínio de um partido. Tudo sob uma liderança habilidosa que ajeita interesses contraditórios e camufla a reorganização política que se está esboçando.
Agora, com as eleições presidenciais se aproximando, as alianças são feitas sem preocupação com a coerência político-ideológica: o que conta é ganhar as eleições. Depois, a força do Executivo se encarregará de diluir eventuais resistências de governadores e parlamentares que se opuserem à marcha do processo em curso, e transformará os aliados em vassalos. Mais recentemente, tem surgido a dúvida: será que a candidata petista, sem ser Lula, terá força para arbitrar entre os interesses do partido, os dos aliados e os da sociedade? Não sei avaliar, mas o resultado será o mesmo: pouco a pouco, o “pensamento único”, agora sim, esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade e se opõem ao capitalismo de Estado controlado por forças partidárias quase únicas infiltradas na burocracia do Estado.
Os líderes oposicionistas atuais terão a visão de grandeza dos que os antecederam e perceberão que está em jogo a própria concepção do que seja democracia? Há quem defenda um outro estilo de sociedade. Há quem acredite que certo autoritarismo burocrático com poder econômico-financeiro pode favorecer o crescimento econômico. A China está aí para demonstrar que isso é possível. Mas é isso o que queremos para nós? A força governista ignora os limites da lei e tudo que decorre dessa atitude, desde a leniência com a corrupção até a arrogância do poder e o abuso publicitário antes do início legal das campanhas. É imperativo, pois, que as oposições se unam. A aliança entre Minas e São Paulo – que se pode dar de forma variada – salvou-nos do autoritarismo no passado. Uma candidatura que fale a todo o país, que represente a união das oposições e busque o consenso na sociedade é o melhor caminho para assegurar a vitória. José Serra e Aécio Neves estiveram ao lado dos que permitiram derrotar o regime autoritário. Cabe-lhes agora conduzir-nos para uma vitória que nos dê esperança de dias melhores. Tenho certeza de que não nos decepcionarão.
Houve hesitação sobre o que fazer. Fiz um discurso no Senado trocando o lema Diretas Já por Mudanças Já, com a convicção de que poderíamos derrotar os donos do poder. Foi difícil para Ulysses Guimarães tragar a dose e aceitar as eleições indiretas, ele que fora o anticandidato em 1974 e cujo nome se identificava com as eleições diretas. Foi mais difícil ainda, uma vez deslanchado o processo de conquista de votos no Congresso, unir a oposição em torno de um nome.
Ulysses até aquele momento fora o condutor indiscutido das oposições democráticas. Entretanto, pela dureza das posições que assumira na crítica ao regime autoritário, teria dificuldades em granjear votos entre os que, diante do desgaste do poder, da crítica de uma imprensa mais livre, dos movimentos de protesto em massa e das dificuldades econômicas, se predispunham a mudar de posição. Sem o apoio destes, a derrota era garantida. Na época, presidente do MDB de São Paulo e muito próximo a Ulysses Guimarães, disse-lhe com muito pesar, pela enorme admiração e respeito que nutria por ele, que a vez seria de outro.
Roberto Gusmão, chefe da Casa Civil do governo Montoro, havia declarado nas páginas amarelas da Veja que São Paulo se uniria a Tancredo Neves para a conquista da Presidência. Ulysses fez questão de ouvir a decisão da voz do governador de São Paulo. Acompanhei-o ao Palácio dos Bandeirantes em um encontro com o governador Montoro e com Roberto Gusmão. Montoro poderia pretender legitimamente a candidatura à Presidência: ganhara as eleições diretas em São Paulo com votação consagradora. Percebeu, entretanto, que no caso das eleições indiretas Tancredo teria melhores oportunidades. Reafirmou este ponto de vista a Ulysses. Mais do que os méritos e as ambições de cada um, contava o momento histórico. Ou nos uníamos e ampliávamos a frente contra o autoritarismo ou este permaneceria por mais tempo, esmaecido que fosse, com a eleição de Paulo Maluf, candidato da Arena. A visão de futuro e o interesse nacional contavam mais do que as biografias. Tiveram grandeza. São Paulo se uniu a Minas para que o Brasil avançasse e Ulysses chefiou a campanha pela eleição de Tancredo.
Passados 25 anos, nos encontramos frente a circunstâncias históricas que novamente requerem grandeza dos líderes e unidade de todos. Não está em jogo o admirar ou não o presidente Lula, nem mesmo as qualidades de liderança (ou a falta delas) de sua candidata Dilma Rousseff. Por trás das duas candidaturas polares há um embate maior. A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará, pouco a pouco, para um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e algumas grandes corporações, especialmente públicas, unem-se sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários. Especialmente de um partido cujo programa recente se descola da tradição democrática brasileira, para dizer o mínimo. Cada vez mais nos aproximamos de uma forma de organização política inspirada em um capitalismo com forte influência burocrática e predomínio de um partido. Tudo sob uma liderança habilidosa que ajeita interesses contraditórios e camufla a reorganização política que se está esboçando.
Agora, com as eleições presidenciais se aproximando, as alianças são feitas sem preocupação com a coerência político-ideológica: o que conta é ganhar as eleições. Depois, a força do Executivo se encarregará de diluir eventuais resistências de governadores e parlamentares que se opuserem à marcha do processo em curso, e transformará os aliados em vassalos. Mais recentemente, tem surgido a dúvida: será que a candidata petista, sem ser Lula, terá força para arbitrar entre os interesses do partido, os dos aliados e os da sociedade? Não sei avaliar, mas o resultado será o mesmo: pouco a pouco, o “pensamento único”, agora sim, esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade e se opõem ao capitalismo de Estado controlado por forças partidárias quase únicas infiltradas na burocracia do Estado.
Os líderes oposicionistas atuais terão a visão de grandeza dos que os antecederam e perceberão que está em jogo a própria concepção do que seja democracia? Há quem defenda um outro estilo de sociedade. Há quem acredite que certo autoritarismo burocrático com poder econômico-financeiro pode favorecer o crescimento econômico. A China está aí para demonstrar que isso é possível. Mas é isso o que queremos para nós? A força governista ignora os limites da lei e tudo que decorre dessa atitude, desde a leniência com a corrupção até a arrogância do poder e o abuso publicitário antes do início legal das campanhas. É imperativo, pois, que as oposições se unam. A aliança entre Minas e São Paulo – que se pode dar de forma variada – salvou-nos do autoritarismo no passado. Uma candidatura que fale a todo o país, que represente a união das oposições e busque o consenso na sociedade é o melhor caminho para assegurar a vitória. José Serra e Aécio Neves estiveram ao lado dos que permitiram derrotar o regime autoritário. Cabe-lhes agora conduzir-nos para uma vitória que nos dê esperança de dias melhores. Tenho certeza de que não nos decepcionarão.
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