Veja - Brasil
Isso é apenas o começo
A campanha presidencial – ou pré-campanha, como prefere
o governo – tem início em alta temperatura com Lula chamando
de "babaca" o presidente do PSDB, que, por sua vez, disse
que Dilma Rousseff é "mentirosa"
Otávio Cabral e Gustavo Ribeiro
Fotos Cristiano Mariz e Ailton de Freitas/Ag. O Globo |
FOGO CRUZADO Lula e Dilma em comício no interior de Minas Gerais e o tucano |
Jenipapo de Minas, na última terça-feira, foi palco de algo muito parecido com uma campanha eleitoral. Acompanhada do presidente Lula, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, inaugurou uma barragem de irrigação e chorou ao lembrar suas origens mineiras. Em discurso, ao exaltar a importância da obra, a ministra lembrou que a oposição já investiu contra os programas de transferência de renda do governo, como o Bolsa Família, e, agora, promete também acabar com o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, caso vença as eleições. Em outra solenidade no mesmo dia, dessa feita de inauguração de escola técnica, foi a vez do presidente Lula: "Que me desculpem os adversários, mas nós vamos ganhar para poder ter continuidade. Se para tudo o que está acontecendo neste Brasil e a gente volta ao passado, todo mundo sabe como é que é". É perda de tempo ficar discutindo se o périplo que Lula e Dilma fazem pelo Brasil, inaugurando até placas de obras que ficarão prontas daqui a anos, é ou não uma artimanha para ocultar uma campanha antecipada, o que seria ilegal. A Justiça já decidiu que só existe campanha se existir candidato oficial ou pedido de votos – e Dilma, oficialmente, ainda não é candidata e nunca pronunciou o famoso "vote em mim". Convencionou-se, portanto, chamar o que está acontecendo de pré-campanha, e, pelo caminho que começa a ser trilhado pelas equipes dos pré-candidatos, tem-se uma amostra do que está por vir.
Em sua primeira aparição pública em 2010, o presidente Lula, discursando para mais de 500 prefeitos, anunciou a aposentadoria do "Lulinha paz e amor" das campanhas passadas e disse que também era "capoeirista", prometendo reagir caso algum adversário tentasse "chutar do peito para cima". Na última semana, o presidente mostrou sua disposição marcial. Em plena reunião ministerial, num ambiente tradicionalmente solene, Lula chamou de "babaca" o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra. O motivo da irritação do presidente foi uma entrevista a VEJA na qual o líder tucano disse que, caso seu partido vencesse as eleições, acabaria com o PAC, programa que estaria sendo usado apenas para iludir o eleitor. "Não sei se ele (Guerra) estava de férias, mas a entrevista é totalmente desconectada da realidade. O Sérgio Guerra é um babaca", disse Lula a uma plateia de ministros e assessores graduados. A troca de farpas entre governo e oposição foi intensa. Depois de anunciar no palanque de Minas Gerais que os tucanos queriam acabar com os programas sociais do governo, a ministra Dilma Rousseff foi chamada de mentirosa em uma nota oficial do PSDB. Também em nota, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, respondeu, chamando de "jagunço" o senador Sérgio Guerra e de "hipócrita" o governador de São Paulo, José Serra, por se manter afastado do bate-boca. "Não vou perder meu tempo com ti-ti-ti, fofoca. Não vejo sentido nisso", limitou-se a comentar o governador.
Ao partirem para o ataque, Lula e Dilma cumprem uma estratégia milimetricamente pensada pela equipe de marqueteiros oficiais. Inexperiente na disputa eleitoral e sem traquejo político, a ministra-candidata, ou melhor, pré-candidata, foi uma invenção do presidente, que tentará emplacar em outubro a tese do continuísmo de seu governo, recordista em popularidade. A imagem pública da candidata, porém, ainda está em fase de construção, e deslizes como esse podem marcá-la negativamente em setores expressivos do eleitorado, segundo especialistas ouvidos por VEJA. A polêmica, por fim, reacendeu um fantasma que ronda e preocupa muito os mentores da campanha da ministra: o receio da pecha de ter sempre suas versões confrontadas com a verdade. A ministra já foi obrigada a reconhecer que não concluiu o curso de mestrado em ciências econômicas na Unicamp, conforme constava em seu currículo oficial. Também já foi acusada de ter ordenado a montagem de um dossiê contra a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, embora tenha negado evidências claras de que o documento foi produzido em sua repartição. No ano passado, Dilma foi acusada pela ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira de tentar obstruir uma investigação sobre a família do senador José Sarney, seu aliado na pré-campanha, em outro episódio em que teve a veracidade de suas afirmações questionada.
O embate direto com a oposição, porém, teve um lado positivo para Dilma Rousseff, que é o de reforçar a estratégia do governo de transformar a eleição em um plebiscito segundo o qual os eleitores escolheriam entre a continuidade de seu mandato e a volta à gestão dos tucanos. Dilma, assim, caminha para se consolidar de vez como a candidata da continuidade, sua principal e talvez única bandeira. "Essa contundência serve para delimitar os espaços, para deixar claro ao eleitor quem está do lado do governo e quem é o time da oposição", avalia o cientista político Gaudêncio Torquato, da Universidade de São Paulo. "Com esses ataques cruzados, as regras do jogo foram colocadas na mesa." Por outro lado, o acirramento da disputa antecipada traz outra preocupação para o comitê de campanha de Dilma. Sem experiência política e com temperamento forte e explosivo, ainda é uma incógnita a maneira como a ministra vai reagir ao ser confrontada publicamente pelos adversários. É o que em Brasília se chama efeito Ciro Gomes. Na eleição de 2002, o deputado cearense desabou nas pesquisas ao chamar um eleitor de burro. Em privado, Dilma é conhecida por reações muito mais intempestivas que essa. Resta saber como se comportará no palanque.
A política do requeijão
A campanha da ministra Dilma Rousseff ainda não empolgou a militância petista – ou o que ainda resta dela. Isso tem ficado evidente nos diversos eventos de que a ministra e o presidente Lula têm participado. Em Jenipapo, não se viam camisas vermelhas nem bandeiras com a estrela do PT. Os espectadores eram lavradores, empregadas domésticas, pedreiros, gente muito humilde, meio calada, atraída pela promessa de lanche no evento, como o lavrador Antônio Cesário, morador de Granjas, a cerca de duas horas do local da barragem, que decidiu comparecer à inauguração de olho na promessa que lhe fizeram os funcionários da prefeitura. "Pão e requeijão", conta. "Em casa, só tem requeijão quando vai uma visita muito importante", comentou. Depois de duas horas apertado em um ônibus superlotado, com mais de cinquenta pessoas, o lavrador diz ter tirado a sorte grande. Encontrou coisa muito melhor que pão com requeijão: 45 000 salgadinhos feitos por um dos bufês mais caros de Belo Horizonte. Tudo de graça. O mesmo método de atração de militantes foi usado com mais eficiência no Maranhão uma semana antes, no lançamento da pedra fundamental da Refinaria Premium I da Petrobras, em Bacabeira, perto de São Luís. Cerca de trinta ônibus transportaram recrutas de vários pontos do estado. Funcionários públicos e estudantes de colégios estaduais foram liberados de suas obrigações para engrossar a claque de apoio à família Sarney, ao presidente Lula e, é claro, a Dilma Rousseff. Na porta do local onde será erguida a refinaria, cabos eleitorais esperavam os moradores dos grotões do estado com bandeiras de plástico que estampavam a frase: "Obrigado, presidente". A maior evidência de que o quórum nas aparições da pré-campanha petista é artificial pode estar no fracasso da inauguração da escola técnica em Araçuaí, cidade vizinha a Jenipapo de Minas. A estrutura foi montada para comportar 7 000 pessoas, mas apenas 500 testemunharam Lula elogiar sua candidata. Lá, a máquina pública não participou da engrenagem para atrair "militantes". Não houve o aluguel de ônibus, nem lanchinho, nem requeijão, nem refrigerante. Os poucos que compareceram tiveram de se contentar com um copo de água. |
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