Sem concorrência
Sinto muito, cara ministra, não há entre nós, nem de longe, concorrente para Luiz Inácio Lula da Silva na categoria do “Só eu fiz”
Outro dia a candidata do PT, Dilma Rousseff, introduziu no debate eleitoral um vetor interessante. Foi quando em solenidade do aliado PSB referiu-se aos méritos do socialista Jamil Haddad na criação do Sistema Único de Saúde e na introdução da iniciativa de fazer o medicamento genérico.
Dilma quis matar dois coelhos com uma só cajadada. Falar bem de um aliado e, implicitamente, falar mal do adversário José Serra, que carrega a marca de ter tornado viável em grande escala a produção e a comercialização dos genéricos.
Acabou desencadeando um efeito-cascata. Agora é a candidata do PV, Marina Silva, quem comparece ao noticiário para reivindicar a um partidário, o ex-petista Eduardo Jorge, a paternidade dos genéricos. Jorge foi quem propôs e impulsionou o debate sobre o assunto na Câmara dos Deputados.
Eduardo Jorge, Jamil Haddad, José Serra. São todos nomes de forte presença na história do sistema brasileiro de saúde pública, um dos mais avançados do mundo.
E há muitos outros. Mas o tema aqui não é quem fez o que na Saúde: é sobre como certos políticos gostam de moldar os registros históricos aos próprios interesses.
Quando falou da contribuição de Haddad, Dilma sintetizou o pensamento dela em dois conceitos.
1) É importante atribuir a autoria a quem de direito.
2) Cada um dá sua contribuição. O que não é possível é alguém dizer: "Só eu fiz".
E não é que a ministra tem razão? Uma ambiência política razoável deveria incluir esse detalhe: reconhecer o mérito de todo mundo que de algum modo contribuiu para as coisas melhorarem, no Brasil e no mundo.
Mas isso é utopia. Até porque Dilma é a candidata do governo e do presidente que mais sistemática e persistentemente procuram se apresentar como os únicos responsáveis por tudo que há de bom no país, apontando o dedo acusador aos adversários quando se buscam os culpados pelo que há de ruim.
Sinto muito, cara ministra. Não há entre nós, nem de longe, concorrente para Luiz Inácio Lula da Silva na categoria do “Só eu fiz”.
É natural que os políticos falem bem de si e, num grau menor, dos aliados. E que falem mal dos adversários. Na infância do PT o pessoal gostava de falar mal de Getúlio Vargas. Dilma não tem nada a ver com isso, na época estava no PDT.
Aliás, quando conveio, petistas e tucanos foram sócios no antivarguismo e no antitrabalhismo. E nem é preciso ir longe. No fim do primeiro mandato, a caminho da tentativa de reeleição, Lula deu uma longa entrevista à The Economist afirmando que faria a reforma trabalhista num eventual segundo tempo na Presidência.
Lula chegou ao poder e viu-se na contingência de buscar certos apoios, até para não o defenestrarem. E aí ele e o PT passaram a falar bem de gente que antes costumavam desmerecer, em palavras ou atos. Na maior.
Os dois últimos “reabilitados” nesta campanha são Tancredo Neves (a quem o PT negou apoio na corrida presidencial contra Paulo Maluf em 1985) e Ulysses Guimarães (de quem o PT recusou o apoio no segundo turno contra Fernando Collor em 1989).
Dilma e o PT precisam dos votos em Minas Gerais e da aliança com o PMDB. Simples assim.
Se amanhã precisarem do apoio do PSDB em alguma circunstância complicada, não relutarão em creditar ao então ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, "méritos decisivos na construção do Plano Real".
Ou ao anêmico FHC em segundo mandato "a façanha de ter implantado, naquela situação política dificílima, uma dura Lei de Responsabilidade Fiscal". Entre aspas.
E a vida seguirá, como se nada tivesse acontecido.
E os jornalistas correrão, a cada dia, para registrar as aspas do momento.
Ainda que as declarações dos políticos uns sobre os outros não valham rigorosamente nada, pelos motivos expostos.
Ah, sim, para quem quiser ler a íntegra da entrevista de Lula à The Economist em fevereiro de 2006, o endereço éhttp://www.blogdoalon.com/geocities/lulainterview.pdf
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