Debandada no PT
Intervenção do Diretório Nacional nos Estados faz com que fundadores do partido abandonem a legenda em Minas Gerais e no Maranhão
Sérgio Pardellas ISTOÉGREVE DE FOME
Manoel da Conceição (à esq.) e Domingos Dutra
não aceitam a aliança com Sarney.
Fiel aos seus princípios, baseados na disciplina partidária, o PT se deu ao luxo, num passado nem tão distante, de expulsar militantes que contrariavam as normas e ideais da legenda. Foi assim em 1985, quando o comando do partido expurgou de seus quadros os então deputados Aírton Soares, José Eudes e Bete Mendes, que, contrariando a orientação oficial, votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Em 2003, repetiu a dose ao expulsar os chamados radicais, como a senadora Heloísa Helena e a deputada Luciana Genro, por votarem contra a reforma da Previdência. Depois de oito anos no poder, o PT vive movimento inverso. Indignados com as seguidas intervenções do presidente Lula e da direção nacional, petistas históricos começam a deixar o partido que ajudaram a fundar. “Saio do PT com a dor de uma mãe que deixa um filho. Lula virou caudilho no partido. Manda, desmanda, decide, todo mundo obedece”, desabafa Sandra Starling, advogada, ex-deputada federal e primeira petista a disputar o governo de Minas Gerais, em 1982.
Embora o PT tenha registrado crescimento de 44% no número de filiados desde o início do governo Lula, casos como o da petista mineira têm se tornado comuns. Desde o ano passado, mais de mil filiados se desligaram do partido em todo o País, insatisfeitos com os rumos da sigla. A debandada mais recente foi motivada pela decisão dos dirigentes de impor a coligação com o PMDB nos Estados, em nome da aliança em torno da candidatura de Dilma Rousseff ao Planalto. Os maiores focos de insatisfação estão em Minas Gerais e no Maranhão, diretórios que mais sofreram com o centralismo petista. Em Minas, petistas ligados a Sandra Starling também devem abandonar a legenda, pois não aceitam a decisão do PT nacional de obrigar o diretório mineiro a se aliar ao PMDB do senador Hélio Costa. Com isso, o PT abriu mão de lançar o ex-prefeito Fernando Pimentel para o governo de Minas. Pimentel tinha vencido as prévias do partido contra o ex-ministro Patrus Ananias.
Sandra Starling já deixou a legenda.
No Maranhão, o diretório nacional do PT resolveu anular o apoio à candidatura do deputado Flávio Dino (PCdoB) ao governo estadual em defesa da aliança com a governadora Roseana Sarney (PMDB), candidata à reeleição. Diante da imposição, os dois maiores expoentes do PT no Estado, o presidente de honra e um dos fundadores do partido, Manoel da Conceição, e o deputado Domingos Dutra, decidiram iniciar uma greve de fome no plenário da Câmara, na sexta-feira 11. Desde então, estão à base de água de coco. “Se não revogarem a decisão, só saio daqui morto ou expulso do PT”, disse à ISTOÉ o líder camponês Manoel da Conceição, 75 anos, que é diabético e perdeu uma das pernas por ter levado um tiro, segundo ele, “dos capangas de Sarney em 1968”. Preocupado com um desfecho trágico, o PT nacional chegou a escalar o líder do partido na Câmara, Fernando Ferro (PT-PE), para negociar uma solução. Na quarta-feira 16 à noite, aconselhado por médicos, Manoel da Conceição suspendeu a greve de fome. Dois quilos mais magro, Domingos Dutra, enrolado numa bandeira desbotada do partido, permanecia com o protesto até sexta-feira 18: “Querem transformar o PT em sublegenda do PMDB. Não podemos permitir isso.” Por ora, não há registro de desfiliação no Estado. Mas os petistas concordam que este é o caminho natural dos militantes, que não aceitam ficar a reboque da família Sarney. “O PT se vendeu. É fascista”, esbravejou Maria de Lourdes da Silva, integrante do diretório regional que, durante manifestação contra a aliança, chegou a pisar numa estrela do partido.
Os dirigentes do PT minimizam as insatisfações. Argumentam que privilegiar os aliados em determinados Estados é uma estratégia para eleger Dilma. “Não se trata de intervenção porque o Congresso do PT, em fevereiro, deu ao Diretório Nacional atribuição para examinar em última instância as alianças nos Estados”, afirmou o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra. “Estamos fazendo tudo em nome do projeto nacional para o casamento com o PMDB”, resumiu o deputado José Genoino (PT-SP). “Se a Roseana foi líder do governo Lula quando era senadora, como agora não serve para o PT apoiar?”, perguntou.
Em 2009, um movimento parecido de desfiliação do PT foi incentivado pela ida da então petista de carteirinha Marina Silva para o PV, legenda pela qual se candidatou à Presidência da República. No mesmo dia do anúncio de Marina, o senador paranaense Flávio Arns desligou-se do partido declarando-se “envergonhado” com o arquivamento, apoiado pelo PT, de denúncias contra José Sarney no Conselho de Ética do Senado. “Achava que as bandeiras eram para valer e não para mudar por causa da eleição. O partido pegou a folha da ética e jogou no lixo”, lamentou Arns à época. Estima-se que, com a saída de Heloísa Helena para fundar o PSOL, em 2003, mais de cinco mil filiados tenham seguido a ex-senadora. Entre eles, a deputada Luciana Genro (RS) e José Batista Babá (PA). Outro militante histórico que deixou a legenda, durante o governo Lula, foi o senador Cristovam Buarque, hoje no PDT. “Eu não saí do PT, foi o PT que saiu de mim”, diz. Como se vê, para os petistas tradicionais, a estrela vermelha do partido está sofrendo o efeito do tempo.
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