"Nosso modelo da Saúde não funciona"
Hugo Marques |
Isto é - 28/06/2010 |
Entrevista com o ministro José Gomes Temporão O ministro reconhece que os hospitais públicos não atendem às necessidades da população e estão tomados por corporações Há três anos no cargo, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, aponta avanços no setor, mas não alimenta mais a expectativa de impor atendimento de Primeiro Mundo nos hospitais públicos do País. “Nosso atual modelo da Saúde, baseado na administração direta, não funciona para prestar serviço de qualidade para o povo”, afirma o ministro, em entrevista exclusiva à ISTOÉ. “Muitos hospitais públicos estão privatizados por interesses corporativos.” Temporão até hoje não assimilou o que considera um dos maiores golpes na Saúde: a extinção da CPMF, o imposto do cheque. “A perda dos R$ 40 bilhões da CPMF foi dramática”, diz. “Sem dinheiro novo, não vamos resolver o problema da Saúde.” Ele aconselha o próximo presidente da República a planejar logo no início do mandato o financiamento da Saúde. Entre as iniciativas positivas de sua administração, Temporão se mostra satisfeito por ter sugerido a criação de fundações estatais de direito privado para administrar os hospitais. Essa proposta foi rejeitada pelo Congresso, mas vem sendo incorporada por algumas secretarias estaduais. O ministro também co memora o índice de vacinação contra a gripe suína que supera o de países europeus. “A sociedade brasileira está protegida da gripe”, garante. Na entrevista, Temporão ainda se divertiu com a repercussão de seu conselho para que os brasileiros façam sexo cinco vezes por semana. “Nunca se discutiu tanto a hipertensão arterial.” Istoé - O Ministério da Saúde sempre foi criticado pela má gestão. O problema persiste? José Gomes Temporão - Economizamos nos últimos três anos R$ 800 milhões comprando melhor, fazendo pregão, negociando com os fornecedores. Nessa área a gente avançou muito. O Ministério não fazia concurso público desde 1981, era tudo terceirizado. Contratamos 15,5 mil pessoas por concurso. Istoé -Muitas vezes o atendimento depende de hospitais administrados por Estados e municípios. E não funciona. Como o sr. vê isso? José Gomes Temporão - A Saúde no Brasil é construída cotidianamente a seis mãos. As ações de serviço, a gestão dos hospitais, isso é executado pelos municípios, principalmente. Acredito que nosso atual modelo, baseado na administração direta, rígido, que pode funcionar muito bem para o nível central de um ministério, para a Receita Federal, para a Polícia Federal, não funciona para prestar serviço de qualidade. Eu não posso demorar um ano e meio para contratar um neurocirurgião. O povo não pode esperar por atendimento. Por isso lancei a proposta das fundações públicas de direito privado. Istoé -Mas a proposta não passou pelo Congresso. José Gomes Temporão - É verdade. Mas o que me consola e me anima é que muitos Estados assumiram essa proposta. Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Distrito Federal, Espírito Santo, entre outros, adotaram essas e outras estratégias semelhantes. Você tem muitas iniciativas de organização social e de fundação estatal. E isso, com certeza, leva a uma gestão mais profissionalizada, mais imune a pressões políticas. Istoé - Muita gente dizia que isso seria privatização da saúde pública. José Gomes Temporão - É um engano total. O problema é que hoje muitos hospitais públicos estão privatizados por interesses corporativos. Prevalecem interesses de corporações em vez do interesse da população. Este é o jogo. Quando a gente lança uma ideia de fundação estatal de direito privado, é um ente público. Ela é obrigada a atender ao SUS 100%, gratuitamente. Você trabalha em cima de metas e indicadores. E há um contrato de gestão, essa organização passa a ser avaliada o tempo todo. Hoje, nos hospitais públicos que ainda operam na maneira antiga, a avaliação é zero. Istoé - Em Brasília, o Ministério Público desconfia que o sistema público foi sucateado para repassar clientela para os hospitais privados. Há essa política nos Estados? José Gomes Temporão - Eventualmente, pode existir. Às vezes, interesses políticos, interesses específicos na ponta, podem levar a distorções desse tipo. Mas a Constituição brasileira é muito clara: você só pode contratar serviços privados depois de esgotada a capacidade de atendimento do setor público. Istoé - O sr. teme algum retrocesso na Saúde ou acha que a sociedade tem que pressionar mais por uma saúde melhor? José Gomes Temporão - A Saúde hoje passa por transições. A primeira é demográfica. O País está envelhecendo numa velocidade maior do que a dos países da Europa no início do século XX. A segunda é epidemiológica. Com a população mais velha, há mais doenças crônicas, mais diabetes, hipertensão, AVC, infarto e câncer. A terceira é tecnológica. Cada vez mais tenho pressão das indústrias para incorporar novos medicamentos, equipamentos, videocirurgia. A quarta transição é alimentar. Com a mudança no padrão da família, em que a mulher trabalha cada vez mais, aumenta o consumo de alimentos semi-prontos e prontos. Istoé - E a obesidade também passa a ser um problema? José Gomes Temporão - Como se consomem mais refrigerantes, salgados e doces, aumenta a obesidade. Hoje, 40% da população brasileira está acima do peso e 15% podem ser considerados obesos. Temos ainda uma transição cultural. Em 20 anos de SUS, houve um crescimento muito grande do conhecimento das pessoas sobre a importância da saúde, da prevenção. A população cada vez mais sabe que o serviço de saúde de boa qualidade é direito garantido na Constituição. Mas sem dinheiro novo não vamos resolver. Istoé - Por sinal, o sr. reclamou do fim da CPMF, que reduziu o orçamento anual em R$ 40 bilhões. José Gomes Temporão - A perda dos R$ 40 bilhões foi dramática. Imagine se hoje o Ministério tivesse R$ 40 bilhões a mais no seu orçamento? O que significa isso? Significa que posso reduzir as desigualdades regionais, aumentar a oferta a determinados serviços, remunerar melhor os profissionais, capilarizar essa rede. Istoé - Muita gente que paga plano de saúde diz que nem assim recebe atendimento na hora que precisa. O que se pode fazer? José Gomes Temporão - A ANS toma medidas para mudar esse quadro e acabou de determinar a incorporação de mais 70 procedimentos. Todos os planos são obrigados a prestar esses novos serviços. Não podemos correr o risco de acontecer o mesmo que nos Estados Unidos. Lá o Obama teve de intervir para fazer uma reforma porque o sistema americano é o mais caro do mundo, gasta mais e é o mais ineficiente. Istoé - Os três candidatos à Presidência estão preocupados com o financiamento da Saúde. José Gomes Temporão - E isso é um problema que tem de ser atacado logo no início do próximo governo. A economia brasileira está crescendo muito, vamos ter recursos adicionais, que poderão ser alocados na área da saúde. Existe uma grande discussão sobre impostos adicionais para indústrias que causam danos à saúde, cigarro, bebida. Istoé - O que o sr. recomenda ao cidadão brasileiro para manter a saúde em dia? José Gomes Temporão - Cigarro, nem pensar. Está envolvido com 200 doenças e causa 200 mil óbitos por ano no Brasil. A bebida abusiva também pode causar problemas de saúde graves, mentais, orgânicos, cardíacos, epáticos e vasculares. Istoé - O sr. também aconselhou os brasileiros a fazer mais sexo para evitar a hipertensão. Como foi a repercussão? José Gomes Temporão - A receptividade foi muito boa. É um tema que muita gente leva na brincadeira, mas eu levo para o lado positivo. Nunca se discutiu tanto a hipertensão arterial, que é uma doença silenciosa e mata muito. E é claro que quando eu falei para fazer sexo cinco vezes por semana eu não estava querendo fazer nada prescritivo. Cada casal tem o seu ritmo, mas eu quis chamar a atenção para a importância do sexo como um componente fundamental na felicidade e na manutenção de um corpo e uma mente saudáveis. Istoé - O sr. disse que a Funasa é um órgão corrupto. É preciso mudar esse quadro? José Gomes Temporão - Tem que mudar tudo. Com a descentralização do sistema de saúde, em que os municípios assumiram esse papel que era da Sucam e da Fundação Sesp, a Funasa ficou sem um objeto claro. O que ela cumpre hoje é insuficiente para dar conta do seu tamanho, do gasto que o povo brasileiro tem com essa fundação. Ela tem que ser refeita. Temos 500 municípios no Brasil sem médicos, sem enfermeiros. Por que a Funasa não assume esse desafio de levar saúde pública de qualidade para as áreas remotas, de difícil acesso? A ideia da criação de uma força nacional de saúde para enfrentar epidemias, catástrofes naturais, enchentes, deslizamentos, composta por médicos, enfermeiros, sanitaristas, que pudesse se deslocar para qualquer ponto do Brasil, é uma boa alternativa para a Funasa. Istoé - A Funasa não foi vítima de um loteamento político? José Gomes Temporão - Havia realmente uma presença importante ali do PMDB. O que nós fizemos foi trabalhar tecnicamente e botar a Controladoria-Geral da União e o TCU em cima. Nunca tivemos tantas punições de funcionários e dirigentes como no governo do presidente Lula. Istoé - Há alguma ação que o sr. lamenta não ter conseguido implantar em sua gestão? José Gomes Temporão - A regulamentação da Emenda 29, que não depende do ministro, mas do Congresso Nacional. Ela discute o gasto total em Saúde, principalmente a participação do governo federal. Como a emenda não foi regulamentada, o meu orçamento é corrigido anualmente através da variação nominal do PIB. Istoé - O frio começa agora. A população pode ficar tranquila quanto à gripe suína? José Gomes Temporão - A sociedade brasileira está protegida da gripe. Estamos erradicando. Em relação ao H1N1, a vacinação, este ano, vai fazer toda a diferença. Os Estados Unidos vacinaram 23% da população. A Suíça vacinou 17%. Aqui chegamos a 42% da população, muito mais do que nos países da Europa. A gente deu show. |
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