DEU EM O GLOBO
Polarização
De Merval Pereira:
O empate entre os dois candidatos à Presidência da República dos partidos que polarizam a política nacional nos últimos 20 anos — José Serra pelo PSDB e Dilma Rousseff pelo PT — demonstra que as estratégias de ambos para este início de campanha estão corretas. Serra adiou o quanto pôde seu lançamento, adiando assim o confronto direto com um governo bem avaliado.
E Lula antecipou o quanto pôde o debate eleitoral, fugindo a todas as regras tradicionais da política, para ter tempo de incutir no eleitorado o nome de sua candidata.
A polarização da eleição serve aos interesses de Lula, que sempre quis uma disputa plebiscitária, por considerar que tem mais o que vender ao eleitorado do que o rival PSDB.
Serra também queria o plebiscito, mas não sobre o governo Lula em contraposição ao de FHC, mas entre ele e Dilma.
Considera que tem uma vida política mais experiente e bem-sucedida do que sua adversária e espera vencer na guerra do currículo, político e administrativo.
É certo que não esperava que o presidente Lula transferisse com tamanha intensidade sua popularidade para a candidata oficial, enquanto Lula joga todo o seu empenho na aposta de que o eleitorado votará em Dilma confiando em sua escolha.
Contra todos os prognósticos, tirou Ciro Gomes do páreo sucessório para facilitar a polarização, uma jogada arriscada que se mostrou correta.
Contra as pressões do PT, obrigou seu partido a aceitar acordos com o PMDB onde pareciam impossíveis, como em Minas Gerais.
Hoje, a parceria com o PMDB está praticamente selada, e os problemas com os aliados parecem bem encaminhados. Pontas sendo acertadas nos estados.
O PMDB é uma federação de interesses e tem conseguido coisas que pareciam bastante complicadas. Minas é o principal sinal — a vitória de Fernando Pimentel facilitou muito o apoio do PT a Hélio Costa, do PMDB, que está na frente nas pesquisas.
Outro avanço importante é no Ceará, contra a candidatura de José Pimentel ao Senado. O governador Cid Gomes apoia Tasso Jereissati para o Senado, e o PMDB terá Eunício Oliveira como candidato a senador.
O Pará continua uma confusão só, com a disputa de projeto de poder entre Jader Barbalho e a governadora petista, Ana Carepa. Mas no Pará e na Amazônia Lula tem mais de 100% de popularidade, e dificilmente haverá brigas insolúveis.
No Sul, o PMDB está indo todo para Serra. A disputa no segundo turno vai ser com o PT, e, no Rio Grande do Sul, Serra tem o dobro de Dilma, e no Sul todo está na frente.
Mesmo que a diferença se reduza, como está se reduzindo, lá os programas sociais têm muito menos impacto. Santa Catarina e Paraná também tendem para o acordo político com o PSDB.
Centro-Oeste, Norte e Nordeste ficam com Dilma, e Sul com Serra.
No Sudeste, o PMDB se divide: a ala paulista, controlada por Orestes Quércia, está com Serra e Rio e Minas com Dilma.
A avaliação dos governistas é que também Serra anda tropeçando. Procuram ressaltar que a irritação pública com jornalistas tem se repetido, e as duas vezes em que brigou foi com jornalistas mulheres.
A arrancada inicial cheia de tropeços não inviabilizou a caminhada de Dilma, que estranhamente está sendo construída em público, tanto física quanto politicamente, sem provocar rejeição.
No campo da plástica, a candidata já fez várias correções, culminando com uma mudança radical do corte de cabelo, que lhe deu um ar mais jovial.
Na parte política, está deixando de lado o tom radical que imprimiram à sua biografia no início da campanha, provavelmente para ganhar o eleitorado de esquerda, e está caminhando para o centro à medida que o ex-ministro Antonio Palocci vai se impondo dentro da campanha.
A exemplo de Lula, é na economia que a candidata oficial está se mostrando mais moderada. Aproveitando as críticas do candidato tucano ao Banco Central, especialmente sua posição não muito simpática à autonomia operacional da instituição, Dilma Rousseff passou a dar ênfase justamente ao contrário, realçando a importância do Banco Central na recente crise econômica mundial.
Essa dicotomia entre a política interna, mais à esquerda no segundo governo Lula, e a economia, sempre mais conservadora, está se repetindo no comando da campanha da candidata do PT.
Enquanto o partido ainda joga com a possibilidade de identificar o PSDB com uma política neoliberal que ameaça os programas sociais do governo Lula, a campanha vai enviando para os investidores mensagens moderadas, identificando o adversário com os perigos de uma guinada na política econômica.
Recentemente, em seminário em Nova York, foram muitas as mensagens de que Henrique Meirelles poderá continuar à frente do Banco Central num futuro governo Dilma.
E o cicerone da candidata oficial foi Palocci, que continua com excelente trânsito junto aos investidores internacionais.
Também o discurso externo muda. Enquanto aqui dentro, para os militantes, o governo anterior é demonizado, lá fora a própria Dilma repete Palocci e atribui nossa atual prosperidade à continuidade das políticas econômicas dos últimos 20 anos.
A candidatura tucana provavelmente conseguirá algum gás com os programas eleitorais partidários do mês de junho, e é possível que a campanha oficial comece com os dois ainda empatados.
A presença de Lula no programa do PT a exaltar as qualidades administrativas de Dilma exigirá, porém, que o programa do PSDB passe a atacar mais diretamente a candidata oficial, tentando levar a polarização para o campo da experiência política e administrativa.
E será inevitável tentar desconstruí-la e aos programas do governo, como o PAC. A briga, então, chegará a Lula.
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