Professor de Dilma e Serra, Lessa quer seus ex-alunos fora da "estupidez" da globalização
Diego Salmen
Do UOL Eleições
De São Paulo
Do UOL Eleições
De São Paulo
- O-ex presidente do BNDES, o economista Carlos Lessa, em sua casa no Rio de Janeiro
Ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, 73, também foi professor de economia. Hoje, vê dois de seus pupilos lutando por algo mais que uma nota azul no boletim: José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) brigam entre si na disputa eleitoral que levará o melhor aluno à Presidência da República.
O economista foi professor de Serra durante o exílio do tucano no Chile, nos anos 70. Para Dilma, deu aulas na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no final da mesma década. Agora, Lessa quer que os presidenciáveis tirem o Brasil da "estupidez" da globalização se forem eleitos.
Em entrevista ao UOL Eleições, o professor carioca conta que ambos foram "muito bons alunos, muito inteligentes, esforçados e com muitas qualidades nessa direção".
No entanto, diz, ainda precisam pôr em prática um de seus ensinamentos. "A lição que talvez seja a mais relevante que eu tenha dado - e eles não sinalizaram ainda - é: fora da Nação, não há salvação", afirma. "Ou seja, um país como o Brasil ou tem uma política nacional de fortalecimento da Nação, ou então não tem nada".
Padrinho de casamento do pré-candidato tucano, o professor considera Serra à esquerda de Dilma quando o assunto é economia. "Isso [o discurso contra o Estado "obeso"] é um pouco o discurso que ele tem que fazer por causa do partido dele", diz Lessa. "Os dois sabem o que é o Brasil. Agora, como eles vão ser na vida pública eu não tenho ideia", afirma.
Confira a entrevista:
UOL Eleições - O senhor deu aula para Dilma e Serra. Onde e quando?
Carlos Lessa - O José Serra foi no exílio, no Chile. Eu estava lá, ele chegou pouco tempo depois e eu já o conhecia do Brasil. Ele era estudante de engenharia e ele queria aprender economia, aí entrou em contato comigo. Foi meu aluno por dois anos, dois anos e meio, frequentando minha casa, a gente conversava muito.
Carlos Lessa - O José Serra foi no exílio, no Chile. Eu estava lá, ele chegou pouco tempo depois e eu já o conhecia do Brasil. Ele era estudante de engenharia e ele queria aprender economia, aí entrou em contato comigo. Foi meu aluno por dois anos, dois anos e meio, frequentando minha casa, a gente conversava muito.
UOL Eleições - Então o senhor foi próximo de Serra?
Lessa - Muito, muito. Eu sou padrinho de casamento dele.
Lessa - Muito, muito. Eu sou padrinho de casamento dele.
UOL Eleições - E a Dilma?
Lessa - A Dilma foi minha aluna na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]. E depois eu convivi bastante com ela no BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], quando ela era ministra de Minas e Energia.
Lessa - A Dilma foi minha aluna na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]. E depois eu convivi bastante com ela no BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], quando ela era ministra de Minas e Energia.
UOL Eleições - Com ela o senhor também tinha essa proximidade?
Lessa - Não. Eu também tinha proximidade, mas proximidade dentro do governo, até porque minha pauta tinha muitas coisas ligadas ao ministério dela.
Lessa - Não. Eu também tinha proximidade, mas proximidade dentro do governo, até porque minha pauta tinha muitas coisas ligadas ao ministério dela.
UOL Eleições - O senhor tem alguma recordação específica dos dois? Foram bons alunos?
Lessa - Os dois foram muito bons alunos, muito inteligentes, esforçados e com muitas qualidades nessa direção.
Lessa - Os dois foram muito bons alunos, muito inteligentes, esforçados e com muitas qualidades nessa direção.
UOL Eleições - Quais foram as aulas que o senhor deu para eles?
Lessa - Lá no Chile eu ensinei para ele [Serra] tudo de economia. Era tudo... Análise econômica, passando por economia de indústria e política econômica, ensinamos quase tudo. A Dilma não, para ela eu só dei aula de política econômica.
Lessa - Lá no Chile eu ensinei para ele [Serra] tudo de economia. Era tudo... Análise econômica, passando por economia de indústria e política econômica, ensinamos quase tudo. A Dilma não, para ela eu só dei aula de política econômica.
UOL Eleições - O senhor acha que eles esqueceram alguma coisa do que o senhor ensinou para eles?
Lessa - Isso eu não vi porque, pensa bem: eles estão disputando a Presidência. Independente de qualquer coisa, eles vão fazer os discursos que eles acham que podem dar mais dividendos eleitorais. Muitas vezes isso é feito tendo um discurso muito geral e deixando detalhes para momentos posteriores. Só que é pelos detalhes que você percebe o que é uma proposta.
Lessa - Isso eu não vi porque, pensa bem: eles estão disputando a Presidência. Independente de qualquer coisa, eles vão fazer os discursos que eles acham que podem dar mais dividendos eleitorais. Muitas vezes isso é feito tendo um discurso muito geral e deixando detalhes para momentos posteriores. Só que é pelos detalhes que você percebe o que é uma proposta.
UOL Eleições - A reforma tributária, por exemplo.
Lessa - Dizer que é favorável à reforma tributária é dizer tudo e dizer nada. Pode se reformar para aumentar [os impostos], diminuir, modificar, pode se fazer muitas coisas e eles não falam nada.
Lessa - Dizer que é favorável à reforma tributária é dizer tudo e dizer nada. Pode se reformar para aumentar [os impostos], diminuir, modificar, pode se fazer muitas coisas e eles não falam nada.
Autonomia do Banco Central
É um horror, é uma distorção brutal da vida democrática
UOL Eleições - Há um consenso sobre a queda na taxa de juros também...
Lessa - Não, isso aí não é muito difícil. Eu acho que tanto ele [Serra] quanto a Dilma sabem o que fazer. O problema é saber se terão coragem de fazer, de propor. Porque se o país continuar com essa taxa de juros que está aí, nós não vamos para lugar nenhum.
Lessa - Não, isso aí não é muito difícil. Eu acho que tanto ele [Serra] quanto a Dilma sabem o que fazer. O problema é saber se terão coragem de fazer, de propor. Porque se o país continuar com essa taxa de juros que está aí, nós não vamos para lugar nenhum.
UOL Eleições - O senhor acha que esse discurso mais vago de ambos se deve mais ao medo de se engessar politicamente lá na frente do que à falta de propostas concretas?
Lessa - Eu acho que sim.
Lessa - Eu acho que sim.
UOL Eleições - Como vê as declarações dos candidatos em relação à autonomia do Banco Central? Dilma defende autonomia; para Serra, o banco "não é a Santa Sé"...
Lessa - O Serra já se mostrou contra [a autonomia], e eu acho que ele está certo. Eu não sei exatamente o que a Dilma falou a respeito. Mas é evidente que o Banco Central não pode ser um Estado dentro do Estado. Não pode controlar o instrumento econômico mais geral sem prestar contas para ninguém. É um horror, é uma distorção brutal da vida democrática.
Lessa - O Serra já se mostrou contra [a autonomia], e eu acho que ele está certo. Eu não sei exatamente o que a Dilma falou a respeito. Mas é evidente que o Banco Central não pode ser um Estado dentro do Estado. Não pode controlar o instrumento econômico mais geral sem prestar contas para ninguém. É um horror, é uma distorção brutal da vida democrática.
Funcionalismo público
Se o Lula tivesse dado 800 analistas para a Marina, talvez a coisa estivesse melhor
UOL Eleições - Eles também divergem sobre a questão do tamanho do Estado: Serra diz que não quer um Estado "obeso", e Dilma defende a realização de contratações por meio de concursos públicos. Como o senhor vê isso?
Lessa - Pode ser que eu esteja te dizendo alguma coisa que pertença ao território da banalidade, mas eu acho que o Serra diz isso porque o Lula está sendo acusado de ter aumentado muito o número de funcionários [públicos]. Pessoalmente, acho que o Lula acertou. A máquina pública estava sendo desmantelada, e ela não pode funcionar sem quadros de qualidade. Não pode, não funciona. Eu me lembro que, quando a Marina era ministra do Meio Ambiente, eu tinha problemas sérios com ela porque eu queria que ela analisasse logo os pedidos de financiamento para usinas elétricas e ela não fazia. Dizia "aí, estou quase sem ninguém". Passou um tempo e ela disse "o Lula me ajudou, me deu 75 analistas". Eu disse: "olha, ministra: não me leva a mal não, mas isso não é nada. No BNDES eu tenho mil analistas e falta gente". Se o Lula tivesse dado 800 analistas para a Marina, talvez a coisa estivesse melhor, entendeu?
Lessa - Pode ser que eu esteja te dizendo alguma coisa que pertença ao território da banalidade, mas eu acho que o Serra diz isso porque o Lula está sendo acusado de ter aumentado muito o número de funcionários [públicos]. Pessoalmente, acho que o Lula acertou. A máquina pública estava sendo desmantelada, e ela não pode funcionar sem quadros de qualidade. Não pode, não funciona. Eu me lembro que, quando a Marina era ministra do Meio Ambiente, eu tinha problemas sérios com ela porque eu queria que ela analisasse logo os pedidos de financiamento para usinas elétricas e ela não fazia. Dizia "aí, estou quase sem ninguém". Passou um tempo e ela disse "o Lula me ajudou, me deu 75 analistas". Eu disse: "olha, ministra: não me leva a mal não, mas isso não é nada. No BNDES eu tenho mil analistas e falta gente". Se o Lula tivesse dado 800 analistas para a Marina, talvez a coisa estivesse melhor, entendeu?
UOL Eleições - A própria Dilma diz na campanha dela que o Estado precisa de "mais engenheiros e menos auxiliares gerais"...
Lessa - É, pode ser. Na verdade você precisa de muitos [profissionais] para atividades fins. Eu costumo dividir o setor público em atividade meio e atividade fim. O investimento em atividade meio pode ser, por exemplo, fazer um prédio de luxo; o investimento para atividade fim pode ser criar um equipamento que funcione para atender à população. Da mesma maneira você pode empregar gente na retaguarda controlando, ou para operar na linha de frente. O que o Brasil precisa é de gente operando na linha de frente.
Lessa - É, pode ser. Na verdade você precisa de muitos [profissionais] para atividades fins. Eu costumo dividir o setor público em atividade meio e atividade fim. O investimento em atividade meio pode ser, por exemplo, fazer um prédio de luxo; o investimento para atividade fim pode ser criar um equipamento que funcione para atender à população. Da mesma maneira você pode empregar gente na retaguarda controlando, ou para operar na linha de frente. O que o Brasil precisa é de gente operando na linha de frente.
Tamanho do Estado
O Brasil precisa de gente na linha de frente
UOL Eleições - Numa analogia, é preciso que um hospital tenha mais médicos e menos pessoal no administrativo.
Lessa - Hospital é uma coisa terrível. Para você ter uma ideia, a obra do hospital mais todos os seus equipamentos custam exatamente meio ano de funcionamento do hospital. Sabia?
Lessa - Hospital é uma coisa terrível. Para você ter uma ideia, a obra do hospital mais todos os seus equipamentos custam exatamente meio ano de funcionamento do hospital. Sabia?
UOL Eleições - Não...
Lessa - Então o problema de política de saúde não é fazer hospital, é operar bem. Mas isso você só faz se tiver médicos nas atividades fim, depois equipamento...
Lessa - Então o problema de política de saúde não é fazer hospital, é operar bem. Mas isso você só faz se tiver médicos nas atividades fim, depois equipamento...
UOL Eleições - Tem algo que o senhor tenha ensinado para Dilma e Serra e que gostaria que eles estivessem fazendo hoje?
Lessa - A lição que talvez seja a mais relevante que eu tenha dado - e eles não sinalizaram ainda - é: fora da Nação, não há salvação. Ou seja, um país como o Brasil ou tem uma política nacional de fortalecimento da Nação, ou então não tem nada. Eu gostaria muito que eles examinassem essa questão da globalização para sair da estupidez que prevalece. Não é que o Brasil vá se fechar sobre si próprio, mas o Brasil tem que ter uma política nacional voltada para si mesmo. Outro dia a Vale do Rio Doce fez uma coisa espantosa: comprou três mil vagões na China e não instalou nada no Brasil para fazer esses vagões. Enquanto isso os chineses compraram aviões da Embraer e obrigaram a Embraer a botar da fábrica lá para fazer metade dos aviões lá na China. Olha a diferença... A Vale do Rio Doce deveria ser uma empresa nacional a serviço do desenvolvimento do país como um todo.
Lessa - A lição que talvez seja a mais relevante que eu tenha dado - e eles não sinalizaram ainda - é: fora da Nação, não há salvação. Ou seja, um país como o Brasil ou tem uma política nacional de fortalecimento da Nação, ou então não tem nada. Eu gostaria muito que eles examinassem essa questão da globalização para sair da estupidez que prevalece. Não é que o Brasil vá se fechar sobre si próprio, mas o Brasil tem que ter uma política nacional voltada para si mesmo. Outro dia a Vale do Rio Doce fez uma coisa espantosa: comprou três mil vagões na China e não instalou nada no Brasil para fazer esses vagões. Enquanto isso os chineses compraram aviões da Embraer e obrigaram a Embraer a botar da fábrica lá para fazer metade dos aviões lá na China. Olha a diferença... A Vale do Rio Doce deveria ser uma empresa nacional a serviço do desenvolvimento do país como um todo.
UOL Eleições - Desse ponto de vista "nacional", tanto Serra quanto a Dilma estão preparados para presidir o país?
Lessa - Eu acho que os dois sabem o que é o Brasil. Agora, como eles vão ser na vida pública eu não tenho ideia.
Lessa - Eu acho que os dois sabem o que é o Brasil. Agora, como eles vão ser na vida pública eu não tenho ideia.
UOL Eleições - Entre os dois, quem está mais "à esquerda" no espectro político? Serra disse se considerar mais à esquerda, mesmo sendo contrário ao que ele chama de Estado "obeso"...Lessa - Isso é um pouco o discurso que ele tem que fazer por causa do partido dele. Eu acho. Porque o Serra sabe que a máquina pública não funciona sem gente.
UOL Eleições - O senhor acha que Serra está mais à esquerda, do ponto de vista econômico?
Lessa - Eu acho que sim.
Lessa - Eu acho que sim.
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