Mal-entendido ou má intenção?
Merval Pereira
O GLOBO - 28/05/10
Na nova política de segurança divulgada pelo governo dos Estados Unidos, o Brasil ganhou relevância em relação a documentos anteriores, mas continua bem abaixo dos outros três centros de influência — China, Rússia e Índia — e quase da mesma importância que a África do Sul.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pôs o Brasil em um segundo pelotão.
Em todo o texto, ele cita a Índia nove vezes; a China, dez; a Rússia, 14; e o Brasil, apenas cinco, mesmo número de vezes da África do Sul. A Turquia é citada apenas uma vez.
Os desentendimentos sobre o acordo nuclear com o Irã, que a secretária de Estado, Hillary Clinton, classificou de sérios, estão no centro desse esfriamento de relações entre Obama e Lula, que um dia ele já definiu como "o cara".
O vazamento da carta que Obama escreveu ao presidente Lula é um desentendimento diplomático sério. A Casa Branca não gostou de saber que um governo amigo divulga documentos pessoais entre presidentes.
Mas uma leitura atenta da carta, em vez de demonstrar, como quer o governo brasileiro, que Lula seguiu à risca as orientações de Obama, deixa claro que houve no mínimo um mal-entendido, que fala mal da diplomacia brasileira.
Ou uma tentativa frustrada de criar um fato consumado que favorecesse o Irã.
Ao se referir aos termos do acordo de novembro, Obama deixa claro que o objetivo dele era deixar o Irã sem material atômico para produzir a bomba.
Está claro que, sem essa precondição, não há acordo.
Na carta, está dito claramente: "A proposta da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) foi preparada de maneira a ser justa e equilibrada, e para permitir que ambos os lados ganhem confiança. Para nós, o acordo iraniano quanto a transferir 1.200 quilos de seu urânio de baixo enriquecimento (LEU) para fora do país reforçaria a confiança e diminuiria as tensões regionais, ao reduzir substancialmente os estoques de LEU do Irã. Quero sublinhar que esse elemento é de importância fundamental para os Estados Unidos. Para o Irã, o país receberia o combustível nuclear solicitado para garantir a operação continuada do TRR (o Reator de Pesquisa de Teerã), a fim de produzir os isótopos médicos necessários e, ao usar seu próprio material, os iranianos começariam a demonstrar intenções nucleares pacíficas. Não obstante o desafio continuado do Irã a cinco resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que ordenam o final de seu programa de enriquecimento de urânio, estávamos preparados para apoiar e facilitar as ações quanto a uma proposta que forneceria combustível nuclear ao Irã usando urânio enriquecido pelo Irã, uma demonstração de nossa disposição de trabalhar criativamente na busca de um caminho para a construção de confiança mútua".
O pressuposto era, portanto, que o Irã reduzisse "substancialmente os seus estoques". Qualquer acord o que não " reduzisse substancialmente" os seus estoques, não teria sentido, portanto.
Em outro trecho, a carta diz: "Compreendemos pelo que vocês, a Turquia e outros nos dizem que o Irã continua a propor a retenção do LEU em seu território até que exista uma troca simultânea de LEU por combustível nuclear. Como apontou o general [James] Jones [assessor de Segurança Nacional da Casa Branca] durante o nosso encontro, seria necessário um ano para a produção de qualquer volume de combustível nuclear. Assim, o reforço da confiança que a proposta da AIEA poderia propiciar seria completamente eliminado para os Estados Unidos, e diversos riscos emergiriam. Primeiro, o Irã poderia continuar a ampliar seu estoque de LEU ao longo do período, o que lhes permitiria acumular um estoque de LEU equivalente ao necessário para duas ou três armas nucleares, em prazo de um ano".
Ou seja, se em um ano o Irã poderia continuar a ampliar o seu estoque de LEU, bastaria ao governo brasileiro fazer as contas: de novembro a maio são seis meses, meio ano, tempo suficiente para um reforço e tanto no estoque.
O volume ser transferido ao exterior deveria ser, portanto, proporcionalmente aumentado.
O acordo fechado entre Brasil e Turquia com o Irã, nos termos em que foi concebido, isto é, permitindo que o Irã continuasse a ter um estoque de urânio que manteria a possibilidade de chegar à bomba atômica, criou, sem dúvida, uma turbulência internacional que interfere na decisão do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas de implementar sanções contra o Irã.
Se, como tudo indica, as sanções forem impostas com o apoio da grande maioria dos membros do Conselho de Segurança — a informação é de que apenas Brasil, Turquia e Líbano seriam contrários a elas —, fica claro que o Brasil está isolado na tentativa de salvar o Irã da punição.
Brasil e Turquia somente poderiam se considerar vitoriosos caso o Conselho rachasse devido ao acordo.
Na nova política de segurança divulgada pelo governo dos Estados Unidos, o Brasil ganhou relevância em relação a documentos anteriores, mas continua bem abaixo dos outros três centros de influência — China, Rússia e Índia — e quase da mesma importância que a África do Sul.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pôs o Brasil em um segundo pelotão.
Em todo o texto, ele cita a Índia nove vezes; a China, dez; a Rússia, 14; e o Brasil, apenas cinco, mesmo número de vezes da África do Sul. A Turquia é citada apenas uma vez.
Os desentendimentos sobre o acordo nuclear com o Irã, que a secretária de Estado, Hillary Clinton, classificou de sérios, estão no centro desse esfriamento de relações entre Obama e Lula, que um dia ele já definiu como "o cara".
O vazamento da carta que Obama escreveu ao presidente Lula é um desentendimento diplomático sério. A Casa Branca não gostou de saber que um governo amigo divulga documentos pessoais entre presidentes.
Mas uma leitura atenta da carta, em vez de demonstrar, como quer o governo brasileiro, que Lula seguiu à risca as orientações de Obama, deixa claro que houve no mínimo um mal-entendido, que fala mal da diplomacia brasileira.
Ou uma tentativa frustrada de criar um fato consumado que favorecesse o Irã.
Ao se referir aos termos do acordo de novembro, Obama deixa claro que o objetivo dele era deixar o Irã sem material atômico para produzir a bomba.
Está claro que, sem essa precondição, não há acordo.
Na carta, está dito claramente: "A proposta da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) foi preparada de maneira a ser justa e equilibrada, e para permitir que ambos os lados ganhem confiança. Para nós, o acordo iraniano quanto a transferir 1.200 quilos de seu urânio de baixo enriquecimento (LEU) para fora do país reforçaria a confiança e diminuiria as tensões regionais, ao reduzir substancialmente os estoques de LEU do Irã. Quero sublinhar que esse elemento é de importância fundamental para os Estados Unidos. Para o Irã, o país receberia o combustível nuclear solicitado para garantir a operação continuada do TRR (o Reator de Pesquisa de Teerã), a fim de produzir os isótopos médicos necessários e, ao usar seu próprio material, os iranianos começariam a demonstrar intenções nucleares pacíficas. Não obstante o desafio continuado do Irã a cinco resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que ordenam o final de seu programa de enriquecimento de urânio, estávamos preparados para apoiar e facilitar as ações quanto a uma proposta que forneceria combustível nuclear ao Irã usando urânio enriquecido pelo Irã, uma demonstração de nossa disposição de trabalhar criativamente na busca de um caminho para a construção de confiança mútua".
O pressuposto era, portanto, que o Irã reduzisse "substancialmente os seus estoques". Qualquer acord o que não " reduzisse substancialmente" os seus estoques, não teria sentido, portanto.
Em outro trecho, a carta diz: "Compreendemos pelo que vocês, a Turquia e outros nos dizem que o Irã continua a propor a retenção do LEU em seu território até que exista uma troca simultânea de LEU por combustível nuclear. Como apontou o general [James] Jones [assessor de Segurança Nacional da Casa Branca] durante o nosso encontro, seria necessário um ano para a produção de qualquer volume de combustível nuclear. Assim, o reforço da confiança que a proposta da AIEA poderia propiciar seria completamente eliminado para os Estados Unidos, e diversos riscos emergiriam. Primeiro, o Irã poderia continuar a ampliar seu estoque de LEU ao longo do período, o que lhes permitiria acumular um estoque de LEU equivalente ao necessário para duas ou três armas nucleares, em prazo de um ano".
Ou seja, se em um ano o Irã poderia continuar a ampliar o seu estoque de LEU, bastaria ao governo brasileiro fazer as contas: de novembro a maio são seis meses, meio ano, tempo suficiente para um reforço e tanto no estoque.
O volume ser transferido ao exterior deveria ser, portanto, proporcionalmente aumentado.
O acordo fechado entre Brasil e Turquia com o Irã, nos termos em que foi concebido, isto é, permitindo que o Irã continuasse a ter um estoque de urânio que manteria a possibilidade de chegar à bomba atômica, criou, sem dúvida, uma turbulência internacional que interfere na decisão do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas de implementar sanções contra o Irã.
Se, como tudo indica, as sanções forem impostas com o apoio da grande maioria dos membros do Conselho de Segurança — a informação é de que apenas Brasil, Turquia e Líbano seriam contrários a elas —, fica claro que o Brasil está isolado na tentativa de salvar o Irã da punição.
Brasil e Turquia somente poderiam se considerar vitoriosos caso o Conselho rachasse devido ao acordo.
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