A liderança de Serra não tem nada de fenomenal ou inexplicável
terça-feira, 8 de dezembro de 2009 | 15:08Enquanto me sobra um pouco de bateria - sim, o problema de energia elétrica continua no bairro; é incrível! -, vou escrever. Faço a mediação dos comentários quando voltar a luz. Se é que ela vai voltar um dia. Talvez esteja sendo ensaiado um novo modelo de civilização.
Qual é a diferença entre o enigma e a evidência? Não é de essência, mas de meios para se chegar às causas. No primeiro caso, eles ainda são desconhecidos. Mas a explicação sempre está em algum lugar.
Quando se analisa o resultado das pesquisas eleitorais, que insistem em apontar a vitória de José Serra, os “analistas” políticos - quase sempre PolíTicos - se perguntam: “Como pode? Se o governo de Lula é aprovado por mais de 70%, é fatal que ele faça seu sucessor. Afinal, qual é a proposta da oposição?”
É uma boa pergunta, sem dúvida, especialmente quando se alimenta certa hostilidade, às vezes inconsciente, à oposição, como se houvesse uma natural ilegitimidade em que se tente, ainda que pelas urnas, tirar o PT do poder.
Perguntam: “Qual é a proposta da oposição?” Mas a isso posso opor uma outra indagação: “E qual é a proposta do governismo?” É continuidade. Mas, então, é continuidade de que proposta?
Alguém aí se atreve a definir o governo Lula e seus marcos essenciais de políticas públicas? Mais do que isso: alguém é capaz de diferenciá-los do que se fazia no governo que o antecedeu?
Talvez não haja grande enigma na preferência que a população demonstra até agora pela oposição - porque, de pelo menos duas maneiras distintas, não chega a ser preferência “pela oposição”, entenderam?
A primeira maneira
Trata-se, em primeiro lugar, de uma escolha pela continuidade de políticas públicas iniciadas há 16 anos - ainda que o eleitorado não dê tal nome à coisa. Que mensagem o eleitorado pode estar mandando? “Para continuar o que nos interessa, entendemos que Serra é mais competente e tem mais experiência do que Dilma”.
Trata-se, em primeiro lugar, de uma escolha pela continuidade de políticas públicas iniciadas há 16 anos - ainda que o eleitorado não dê tal nome à coisa. Que mensagem o eleitorado pode estar mandando? “Para continuar o que nos interessa, entendemos que Serra é mais competente e tem mais experiência do que Dilma”.
Por que um candidato de oposição tem de representar necessariamente uma ruptura? Não terá sido a idéia de ruptura aposentada pelo próprio petismo quando chegou ao poder em 2003? Alguém aí é capaz de dizer uma só medida, uma única que seja, do governo que constasse do programa original do PT? O não-rompimento com as políticas da então oposição e o rompimento com o próprio programa foram celebrados até em documento, a tal Carta ao Povo Brasileiro, em que o partido fazia a sua profissão de fé no mercado e, sobretudo, “nos mercados” (já que, no plural, o sentido é bem outro).
Lula não deixa de ser um bom exemplo de que oposição não é assim o fim do mundo. “Ah, mas o governo Lula é muito mais popular do que o de FHC”. É fato! Mas o eleitor sabe que Dilma, afinal de contas, não é Lula. Assim, há na escolha, até agora, mais evidência do que enigma: “Para continuar, José Serra”.
A enorme popularidade de Lula decorre, sem dúvida, do excelente momento econômico vivido pelo Brasil, mas vem também de um choque de expectativas. Uma boa parte da população esperava um desastre - nunca foi o meu caso, conforme está registrado desde Primeira Leitura; minhas críticas ao lulismo são de outra natureza; nada têm a ver com o governo “dar certo” ou não… Descobriu-se, de súbito, que ele poderia dar continuidade à, digamos, vida normal do país. E o crescimento da economia fez muita coisa, com efeito, melhorar.
Ninguém nunca mais alcançará tal altura porque as expectativas, reitero, jamais serão tão baixas. No futuro, qualquer governante terá menos prestígio popular do que Lula porque poucas figuras, no país, tiveram tanto… desprestígio. Sigamos.
Serra, por enquanto, representa a escolha da NORMALIDADE, da NÃO-HETERODOXIA (não emprego a palavra no sentido usual da economia), da passagem quase burocrática de bastão. Daí que ele não precise acenar com grandes solavancos. Quem está ansioso “pela proposta da oposição” é o jornalismo político. De certo modo, Dilma enfeixa algumas características de uma opção um tanto arriscada, “heterodoxa” - por bons e por maus motivos. Ser mulher pode ser uma dificuldade - e isso é um mau motivo. Mas há também o fato de que ela é desconhecida - um “desconhecimento” que nada tem a ver com a popularização de sua imagem. Refiro-me a uma coisa mais profunda: falta de confiança.
A segunda maneira
O PT é um partido forte, organizado nacionalmente. Mas a população ainda vota em indivíduos - e não acho ruim que assim seja, mas não vou entrar nesse mérito agora. Quando governistas e mesmo críticos da candidatura Serra na oposição afirmam que sua liderança se deve ao “recall”, talvez não se dêem conta de que o “recall” se deve a alguma coisa - porque, afinal, este também pode ser negativo, não?
O PT é um partido forte, organizado nacionalmente. Mas a população ainda vota em indivíduos - e não acho ruim que assim seja, mas não vou entrar nesse mérito agora. Quando governistas e mesmo críticos da candidatura Serra na oposição afirmam que sua liderança se deve ao “recall”, talvez não se dêem conta de que o “recall” se deve a alguma coisa - porque, afinal, este também pode ser negativo, não?
É evidente que os antipetistas e críticos do PT tendem a votar em Serra; mas também é óbvio que, hoje, muitas das pessoas que aprovam o governo Lula preferem que o bastão seja passado ao candidato tucano - menos porque é tucano e mais porque é Serra; assim como Lula é Lula mais porque é Lula do que porque é petista.
Afinal, convenham: se a aposta do eleitorado fosse no tucanato ou na oposição, o candidato seria irrelevante. E não é. Ao planejar a sua campanha, os partidos que hoje se opõem à continuidade devem levar isso em conta.
Não há, pois, nada de surpreendente ou inexplicável nos números. PODE MUDAR? Tudo o que é vivo muda. Caso Serra seja candidato e leve ao ar uma campanha desastrada, por exemplo, em contraste com o eventual profissionalismo do lado adversário, o resultado colhido será negativo. Em 2002 e 2006, os petistas foram muito mais competentes nesse quesito. Mais: Lula conseguirá mesmo transferir seu prestígio para sua candidata, conforme apostam os petistas? Vamos ver. Se essa tentativa for feita de modo um tanto atrapalhado, pode-se passar a impressão de que Dilma não existe; de que ela é um truque. E isso não será bom para a petista.
Tudo está apenas no começo. Há razões as mais lógicas e racionais para Serra estar na frente, ainda que os lulo-petistas fiquem aflitos: “Mas qual é a proposta?”
Isso quer dizer que Serra deve se apresentar ao eleitorado como o verdadeiro herdeiro de Lula? Bobagem. Sua grande virtude eleitoral está em ser herdeiro de si mesmo, em ter “recall” por bons motivos. É claro que há terreno para discordâncias. E elas terão de ser exploradas. Falo a respeito em outro post.
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