Kassab ajusta gestão para ajudar Serra
Kassab inicia investida para reverter desgaste |
Autor(es): Ana Paula Grabois e Caio Junqueira |
Valor Econômico - 29/12/2009 |
São Miguel Paulista é uma das subprefeituras mais ao leste da cidade de São Paulo. Antigo reduto petista, deu vitória ao prefeito Gilberto Kassab em 2008. Foi naquela região, ainda parcialmente submersa desde as chuvas do início do mês, que Kassab deu a partida, na manhã de ontem, à ofensiva para reverter o desgaste acumulado em seu primeiro ano como prefeito eleito. Anunciou a construção de 3.265 casas populares que ficarão prontas em 2012 e serão financiadas pela Caixa Econômica Federal, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, uma das prováveis vitrines da campanha da candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT). A Caixa vai financiar R$ 160 milhões, o equivalente a 70% do projeto. A prefeitura vai arcar com os 30% restantes e deve, no total, desembolsar cerca de R$ 160 milhões, incluindo a desapropriação de terrenos e o pagamento de aluguel aos desabrigados. Na cerimônia de apresentação do projeto, o prefeito agradeceu a Caixa e o governo federal, mas não se ouviu nenhuma citação ao Minha Casa, Minha Vida. Destacou, porém, "a importância da parceria com o governador José Serra", que deve construir outras 2,5 mil habitações populares aos moradores da região do rio Guarulhos, onde houve a maior parte das inundações na região metropolitana. O anúncio veio no dia seguinte à divulgação da pesquisa Datafolha que revelou piora na avaliação do governo Kassab. A taxa de aprovação (ótimo ou bom), de 45% em março, caiu para 39%. Já a avaliação negativa (ruim ou péssimo) passou de 19% para 27%. O desgaste de Kassab começou ao assumir o cargo, em janeiro, com problemas financeiros que acabariam por repercutir politicamente. A crise econômica internacional forçou um corte de 15% no Orçamento e acabou afetando a aliança do DEM com o PSDB locais. Com menos receita tributária e transferências, Kassab tentou fazer caixa aumentando impostos ou cortando despesas. Assistiu, porém, a bancada do PSDB na Câmara Municipal liderar derrotas a projetos impopulares que poderiam atrapalhar a campanha de Serra em 2010. Por outro lado, os tucanos viram o prefeito tirar aos poucos o poder de seus cargos de alto escalão ao ampliar espaços do DEM na prefeitura e preparar quadros para a sucessão de Kassab em 2012. A diferença de estratégias entre as duas principais figuras dos dois partidos no Estado foi, junto com a crise, o que agravou o quadro. Serra prepara-se para o último ano de gestão e quer passar a imagem de tocador de obras em todo o Estado, onde pretende impor uma diferença de 4 milhões de votos sobre Dilma para compensar a força eleitoral de Lula no Norte e Nordeste. Não o fará se o prefeito paulistano permanecer em curva decrescente de popularidade. Por sua vez, Kassab enfrentou seu primeiro ano como prefeito eleito durante forte crise econômica e se viu diante da necessidade de segurar recursos para não comprometer a administração nos próximos anos. Em algumas ocasiões, enquanto Kassab impunha medidas impopulares, o governador, temendo desgaste em 2010, usava de sua ascendência sobre o prefeito para que recuasse daquela medida. Foi assim, por exemplo, com a votação do reajuste do IPTU. Desatualizada desde 2001, a Planta Genérica de Valores, que dá base ao cálculo do tributo, precisava de reajuste tanto quanto os cofres municipais de recursos para compensar as perdas da crise. Kassab anunciou, então, um reajuste de até 40% para imóveis residenciais e 60% para os não residenciais. Foi bombardeado pela imprensa e pelo Palácio dos Bandeirantes, que chegou a sugerir reajuste de 20% ao longo de cinco anos. A bancada tucana na Câmara foi acionada e liderou um acordo que obrigou Kassab a recuar. O reajuste máximo acabou sendo de 45% para os imóveis comerciais e 30% para os residenciais. Em setembro, ocorreram outros dois casos semelhantes. Para cortar gastos, anunciou que as crianças das creches paulistanas teriam uma refeição a menos das cinco que há anos costumam ter todos os dias. A justificativa era a redução na carga horária escolar de 12 para 10 horas. A repercussão foi tão negativa quanto as tentativas de explicação da prefeitura. "Tecnicamente, existe uma exposição de motivos que mostra que as crianças não podem ter uma alimentação superdimensionada. Faz tão mal à saúde comer demais quanto comer de menos", disse Kassab à época. Dias antes, uma decisão do prefeito para economizar foi um tiro no pé. Ele anunciou corte de recursos da limpeza urbana e as empresas contra-atacaram com a ameaça de demitir quase 2 mil garis em três meses. Os garis fizeram greve de um dia, o que emporcalhou a cidade e levou o prefeito a recuar. Todas essas medidas foram justificadas como meio de apaziguar os efeitos de um corte de R$ 3,2 bilhões e uma queda na arrecadação de 1% em relação a 2008, já descontada a inflação do período. Outros casos semelhantes mostram como as necessidades imediatas dos dois partidos - o PSDB quer voltar ao Palácio do Planalto em 2010 e o DEM, segurar o único cargo executivo relevante que tem em mãos depois das denúncias que tiraram do partido o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda - acabaram por criar rusgas entre ambos. "O Kassab precisa pilotar o Orçamento e o PSDB municipal olha primeiro o Serra", disse o cientista político da Fundação Escola de Sociologia e Política Rui Tavares Maluf. Outra medida que deve afetar ainda mais a imagem do prefeito junto ao eleitorado paulistano é o aumento de 17,4% na passagem de ônibus em 2010. Em 2009, cumprindo promessa de campanha criticada pelos tucanos, Kassab congelou o preço da tarifa e agora foi obrigado a conceder reajuste maior às empresas de ônibus a partir do ano que vem. O autor da maioria das propostas polêmicas municipais é "super secretário" de Kassab, Alexandre de Moraes (DEM), que acumula os cargos de secretário de Transportes, presidente da São Paulo Transporte (SPTrans), da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e, desde fevereiro, a Secretaria de Serviços (responsável pela limpeza e iluminação urbana e pelos serviços funerários). Sua última ideia, também impopular, foi reduzir a tarifa dos táxis nos fins de semana e nos horários de pico, o que causou indignação em parte dos mais de 30 mil taxistas da cidade. Moraes é a principal aposta de Kassab para sucedê-lo no cargo e o que melhor representa o crescimento do poder do DEM na administração municipal, ao mesmo tempo em que o PSDB perde força e espaço. O último a sair foi Manuelito Magalhães, que ocupava a Secretaria de Planejamento. O ex-secretário acompanha Serra desde a época em que o atual governador foi ministro da Saúde no governo Fernando Henrique Cardoso. Deixou o cargo há menos de um mês. Andrea Matarazzo, ex-ministro e embaixador do Brasil na Itália no governo FHC, estava na prefeitura desde o início da gestão Serra, em 2005. Em setembro, pediu demissão da Secretaria da Coordenação das Subprefeituras. As diferenças entre os dois partidos, no entanto, devem ficar limitadas à esfera municipal. Partidários dos dois lados confirmam o mal-estar geral que a crise provocou, mas garantem que a aliança segue forte. "Nosso caminho é o PSDB. Não temos nome para presidente e não tem lógica apoiar o PT", afirmou o líder do DEM na Câmara Municipal de São Paulo, Carlos Apolinario. Carlos Apolinário O secretário de Finanças da cidade, Walter Aluisio Rodrigues, nega atritos na aliança. "Tudo que aconteceu foram problemas pessoais. Kassab continua extremamente leal a Serra", disse o secretário, que está na prefeitura desde que o governador era o titular e Kassab, vice. Um indicativo disso é que secretarias importantes continuam com os tucanos, como Educação, Saúde e Casa Civil. No próximo ano, a expectativa de crescimento econômico pode amenizar as disputas internas na administração municipal. "Foi um ano difícil, mas não ficamos devendo a ninguém. Vamos fechar o caixa de 2009 com cerca de R$ 100 milhões, incluindo os restos a pagar", disse o secretário. Para 2010, a estimativa é cumprir o Orçamento de R$ 27,9 bilhões, com a esperança de alta na arrecadação e a projeção de crescimento de 3,6% para o PIB nacional. Segundo o vereador Antônio Donato (PT), o Orçamento aprovado para 2010 tem cerca de R$ 1,5 bilhão de receitas não computadas, como os R$ 700 milhões referentes ao contrato da folha de pagamento de pessoal do administração municipal com o Banco do Brasil. O recurso será todo investido nas obras de ampliação do metrô paulistano, em parceria com os governos Serra e Lula. O contrato ficou de fora da contabilidade do Orçamento porque ainda não foi assinado, argumentou o governo Kassab. Outros R$ 750 milhões, de convênios federais, também não foram incluídos, como obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e projetos na área de Segurança e Habitação. "É uma maneira de diminuir o grau de congelamento de receitas e acelerar a liberação de recursos para obras sem licitação", disse o vereador petista. Se Kassab enfrentou contratempos para adequar seu Orçamento em ano de crise ao calendário eleitoral de Serra, também foi capaz de fazer os primeiros ajustes com vistas a 2012, ano de sucessão na prefeitura. Um exemplo disso foi a verba de R$ 126 milhões para publicidade eleitoral aprovada no Orçamento de 2010, um valor denunciado pela oposição como muito acima da média histórica, de R$ 38 milhões. Pela Lei Eleitoral, segundo Donato, o gasto com propaganda no último ano de governo deve corresponder à média dos últimos três anos da administração. |
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