ARTIGO
Fogo amigo eleitoral
O fogo amigo muitas vezes é mais deletério que o do inimigo. Nas guerras, há o fator surpresa, que impede a defesa.
Na política, a defesa é possível, mas, improvisada, gera riscos. Provoca cisões internas, que enfraquecem o partido e, obviamente, favorecem o inimigo. Presentemente, os dois candidatos favoritos, Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB), padecem do problema.
O PT enfrenta o fogo amigo de Ciro Gomes, imaginado por Lula como uma espécie de candidato linha auxiliar de Dilma. Na prática, porém, tem sido o oposto. Ciro se opõe à estratégia plebiscitária de Lula, que quer tornar a campanha um confronto entre ele e FHC, sem que nenhum dos dois seja candidato a nada.
Ciro rejeita o papel e a estratégia – e já deixou isso claro. Considera a estratégia “burra”, e “indecente” o papel que, dentro dela, lhe estaria reservado. Denuncia a aliança entre PMDB e PT como moralmente “frouxa”.
E vê em Dilma uma candidata frágil, que jamais disputou qualquer eleição e corre os riscos de uma neófita. Lula pediu-lhe ano passado que transferisse seu título de eleitor para São Paulo e se candidatasse ao governo do estado.
Espantosamente, ele, que se diz (e é) um político experiente, com 30 anos de estrada, topou. Ficou numa sinuca, que ele mesmo reconhece: embora não deseje concorrer ao papel, não pode descartá-lo (“como eu explicaria a transferência do meu título de eleitor para São Paulo?”).
A circunstância o obriga a ginásticas verbais, como a de dizer que sua candidatura ao governo paulista, não é impossível, mas “absolutamente improvável”.
Para inviabilizá-la, distribui impropérios aos petistas de São Paulo, lembrando os desastres que protagonizaram nos últimos anos. De fato, os figurões do PT paulista, que poderiam desafiar a hegemonia tucana de 16 anos no estado – José Dirceu, Antonio Palocci, João Paulo, Aloizio Mercadante, José Genoíno e Marta Suplicy – queimaram-se em declarações e/ou ações impróprias. Mas não é confortável, nem previsível, ser lembrado disso por um aliado.
De quebra, Ciro põe em xeque, com sua determinação de disputar a Presidência da República, a fidelidade canina de seu partido, o PSB, ao presidente Lula. O PSB sabe que ele é um candidato competitivo. Mesmo que não ganhe, favorecerá a ampliação das bancadas na Câmara e será eleitor decisivo no segundo turno. O dilema embaraça PSB, PT, Dilma e Lula.
Do lado tucano, o fogo amigo é também pesado. Serra tem sua liderança ameaçada não apenas pela super-exposição de Dilma, mas pelas queixas e críticas dos aliados. Recentemente, o senador tucano Tasso Jereissati (CE) recusou a hipótese de ser seu vice de maneira tão veemente que parecia estar a exorcizá-la. Demonstrou tal horror que a declaração equivaleu a uma desqualificação do candidato.
Aécio Neves foi mais maneiro, mas não menos problemático. Além de declarações ambíguas - em que ora descarta, ora admite compor a chapa -, proclama sua amizade com Ciro Gomes (arquiinimigo de Serra) e estimula a idéia de que haveria uma dissidência interna em seu favor.
Com isso, compromete a unidade partidária, vital ao êxito de qualquer candidatura. Há dias, na inauguração do novo complexo administrativo de Minas Gerais, expôs Serra ao constrangimento de uma claque a gritar slogans de “Aécio Presidente”, transformando uma campanha nacional num duelo bairrista entre dois estados.
Há ainda Fernando Henrique Cardoso, que, não encontrando em Serra defesa aos ataques que Lula e o PT lhe movem sistematicamente, passa a ocupar a cena, alimentando a estratégia do plebiscito, que visa a colocar o candidato do PSDB em segundo plano.
Diante desse inesperado teor suicida, a presente campanha difere completamente das anteriores – e, por isso mesmo, tem um grau de imponderabilidade bem maior.
Ruy Fabiano é jornalista
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