Quinta-feira, Fevereiro 18, 2010
Gargalos e tropeços
O ESTADO DE SÃO PAULO - 18/02/10
Gargalo, como sabe todo apreciador de um bom gole, é "colo de garrafa, ou de outra vasilha, com entrada estreita". Mas é também "obstáculo, empecilho", segundo informa o Aurélio. O primeiro sentido está mais ligado às alegrias da vida. O outro, à atividade própria dos planejadores. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma atribuir a seu governo o resgate do planejamento, uma prática abandonada, segundo ele, por vários de seus antecessores. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é apresentado como produto de um governo planejador. Boa parte desse programa continua existindo só no papel, mas isso não impede o presidente de prometer um PAC 2. Ele parece menos familiarizado, no entanto, com o sentido figurado - e administrativo - da palavra gargalo. Reportagem publicada no Globo de domingo corrobora essa suspeita.
O programa de habitações populares, lançado com muito barulho pelo governo federal, está ameaçado pela falta de redes de água e de esgoto, segundo a reportagem. Não se poderá desembolsar o dinheiro, se não houver condições sanitárias básicas nas áreas destinadas às construções. Em má situação financeira, a maior parte das companhias estaduais de saneamento não pode receber dinheiro dos fundos públicos.
O PAC habitacional foi concebido para proporcionar casa a milhões de brasileiros, criar muitos empregos e ativar uma importante cadeia de fornecedores de insumos. Mas faltou pensar no gargalo do saneamento. A Caixa, segundo a reportagem, vai agora cuidar de um plano de recuperação para habilitar as companhias, novamente, a receber financiamento. Mas o problema não é novidade. A crise das empresas de saneamento é conhecido há muito tempo e nenhuma ação foi organizada para a recuperação do setor.
Os gargalos são muito mais numerosos. Na semana passada, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou pela primeira vez um levantamento de conjuntura da construção civil. No trimestre final de 2009, o maior problema apontado pelo conjunto das empresas foi o peso da tributação. Nenhuma novidade nesse ponto. Mas o segundo maior problema foi a falta de mão de obra qualificada.
Essa preocupação foi apontada por 53% das empresas: 48,9% das pequenas, 54,9% das médias e 64,5% das grandes indicaram a falta de pessoal qualificado como o grande problema. No caso das grandes, essa deficiência ganhou mais destaque do que a carga tributária.
A pesquisa é conjuntural, mas o problema não é. A construção civil deixou de ser o grande setor capaz de absorver a mão de obra de baixa qualificação recém-chegada ao mercado urbano. A tecnologia mudou e com isso as necessidades de pessoal também mudaram. Não só o engenheiro tem de ser preparado para as novas condições da atividade. Além de afetar um setor muito importante, essa mudança torna indispensável uma reavaliação do problema da geração de empregos.
Dirigentes da construção civil já haviam apontado, nos últimos anos, problemas de recrutamento de pessoal. A novidade, agora, foi a inclusão do problema numa pesquisa setorial ampla. Noutros segmentos da indústria, a escassez de trabalhadores qualificados fora apontada várias vezes. A própria CNI havia chamado a atenção para o problema em mais de uma ocasião. Mais que isso: executivos entrevistados queixaram-se da falta de pessoal em condições de receber treinamento na fábrica. A falta de qualificação corresponde, antes de mais nada, à mera deficiência da educação fundamental.
Em relação a este problema, o governo federal tem ido raramente além da retórica. Durante anos, o governo do presidente Lula cuidou prioritariamente de criar cursos universitários de utilidade muito duvidosa e de garantir o acesso de mais estudantes ao chamado ensino superior.
Esse tipo de política não garante emprego nem atende às demandas imediatas de uma economia forçada a modernizar-se. Faltaram um diagnóstico realista das carências educacionais e uma aplicação mais eficiente de recursos em programas bem desenhados. O mesmo baixo grau de realismo explica a persistência de gargalos na infraestrutura. Nos últimos oito anos, o governo federal foi lento na mobilização dos capitais e técnicas do setor privado para promover, por exemplo, a recuperação e a modernização das estradas. Isso decorreu, em parte, de preconceitos ideológicos. Preconceitos não escoam safras, nem ações populistas criam empregos produtivos.
Gargalo, como sabe todo apreciador de um bom gole, é "colo de garrafa, ou de outra vasilha, com entrada estreita". Mas é também "obstáculo, empecilho", segundo informa o Aurélio. O primeiro sentido está mais ligado às alegrias da vida. O outro, à atividade própria dos planejadores. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma atribuir a seu governo o resgate do planejamento, uma prática abandonada, segundo ele, por vários de seus antecessores. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é apresentado como produto de um governo planejador. Boa parte desse programa continua existindo só no papel, mas isso não impede o presidente de prometer um PAC 2. Ele parece menos familiarizado, no entanto, com o sentido figurado - e administrativo - da palavra gargalo. Reportagem publicada no Globo de domingo corrobora essa suspeita.
O programa de habitações populares, lançado com muito barulho pelo governo federal, está ameaçado pela falta de redes de água e de esgoto, segundo a reportagem. Não se poderá desembolsar o dinheiro, se não houver condições sanitárias básicas nas áreas destinadas às construções. Em má situação financeira, a maior parte das companhias estaduais de saneamento não pode receber dinheiro dos fundos públicos.
O PAC habitacional foi concebido para proporcionar casa a milhões de brasileiros, criar muitos empregos e ativar uma importante cadeia de fornecedores de insumos. Mas faltou pensar no gargalo do saneamento. A Caixa, segundo a reportagem, vai agora cuidar de um plano de recuperação para habilitar as companhias, novamente, a receber financiamento. Mas o problema não é novidade. A crise das empresas de saneamento é conhecido há muito tempo e nenhuma ação foi organizada para a recuperação do setor.
Os gargalos são muito mais numerosos. Na semana passada, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou pela primeira vez um levantamento de conjuntura da construção civil. No trimestre final de 2009, o maior problema apontado pelo conjunto das empresas foi o peso da tributação. Nenhuma novidade nesse ponto. Mas o segundo maior problema foi a falta de mão de obra qualificada.
Essa preocupação foi apontada por 53% das empresas: 48,9% das pequenas, 54,9% das médias e 64,5% das grandes indicaram a falta de pessoal qualificado como o grande problema. No caso das grandes, essa deficiência ganhou mais destaque do que a carga tributária.
A pesquisa é conjuntural, mas o problema não é. A construção civil deixou de ser o grande setor capaz de absorver a mão de obra de baixa qualificação recém-chegada ao mercado urbano. A tecnologia mudou e com isso as necessidades de pessoal também mudaram. Não só o engenheiro tem de ser preparado para as novas condições da atividade. Além de afetar um setor muito importante, essa mudança torna indispensável uma reavaliação do problema da geração de empregos.
Dirigentes da construção civil já haviam apontado, nos últimos anos, problemas de recrutamento de pessoal. A novidade, agora, foi a inclusão do problema numa pesquisa setorial ampla. Noutros segmentos da indústria, a escassez de trabalhadores qualificados fora apontada várias vezes. A própria CNI havia chamado a atenção para o problema em mais de uma ocasião. Mais que isso: executivos entrevistados queixaram-se da falta de pessoal em condições de receber treinamento na fábrica. A falta de qualificação corresponde, antes de mais nada, à mera deficiência da educação fundamental.
Em relação a este problema, o governo federal tem ido raramente além da retórica. Durante anos, o governo do presidente Lula cuidou prioritariamente de criar cursos universitários de utilidade muito duvidosa e de garantir o acesso de mais estudantes ao chamado ensino superior.
Esse tipo de política não garante emprego nem atende às demandas imediatas de uma economia forçada a modernizar-se. Faltaram um diagnóstico realista das carências educacionais e uma aplicação mais eficiente de recursos em programas bem desenhados. O mesmo baixo grau de realismo explica a persistência de gargalos na infraestrutura. Nos últimos oito anos, o governo federal foi lento na mobilização dos capitais e técnicas do setor privado para promover, por exemplo, a recuperação e a modernização das estradas. Isso decorreu, em parte, de preconceitos ideológicos. Preconceitos não escoam safras, nem ações populistas criam empregos produtivos.
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