Tática canhota
Para atrair a esquerda, programa de Dilma se inspira em autor que chama capitalismo de "moinho satânico"
Jorge FelixPROMESSA
Dilma, em Minas, ao lado de Lula: “Transformar cada vez mais o Brasil”
PT começou a perder seus militantes mais fiéis aos princípios de esquerda logo após a divulgação da “Carta aos Brasileiros”, em 2002, na qual o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva se comprometia com os alicerces da política econômica do governo do PSDB, acusada de neoliberal. No poder, o partido assistiu passivo à sua própria fissão binária dar à luz o PSOL. Na eleição deste ano, no entanto, sem Lula como candidato, com aliados sempre desprezados pelos setores ligados aos movimentos sociais e, cada vez mais pressionado – ou ameaçado – por esses segmentos que agora demonstram preferir outras candidaturas, o PT decidiu resgatar sua versão canhota. O primeiro sinal dessa estratégia eleitoral foi o documento “A Grande Transformação”, elaborado pelo assessor de Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, também coordenador do programa de governo da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. O texto será debatido no 4º Congresso Nacional do PT, de 18 a 20 de fevereiro, e serve de minuta para a plataforma de governo da candidata oficial. Ele esboça planos de um pós-Lula mais à esquerda, com maior participação do Estado na economia e ampliação da vertente social. Toda esta tática, porém, tem o objetivo de seduzir os eleitores de esquerda. A começar pelo título retirado do livro do economista austrohúngaro Karl Polanyi (1886-1964), uma obra de referência da economia heterodoxa e dos críticos ao capitalismo. Nesta semana, em conversa com amigos, Garcia confirmou que sua fonte de inspiração foi Polanyi.
No livro, considerado um dos mais importantes do século, o autor define o capitalismo como um “moinho satânico” por submeter o homem ao domínio do valor, explora suas consequências sociais, faz um veemente ataque ao mercado, para o qual defende rigoroso controle, e prega uma grande transformação. “Isso não quer dizer que eu concorde com 100% do que o Polanyi escreveu”, disse Garcia, quando foi questionado sobre a fonte inspiradora e uma suposta repercussão negativa, principalmente no empresariado. Coincidênciaou não, a palavra transformação foi imediatamente incorporada ao vocabulário do PT. Em Minas Gerais, Dilma saiu com esta: “Nós vamos transformar cada vez mais o Brasil.” E o próprio Garcia, ao tentar justificar sua guerra contra os canais a cabo americanos, que, segundo ele, despejam “esterco cultural” nos telespectadores, soltou: “Hoje vivemos uma transformação do ponto de vista econômico-social muito mais importante do que no passado.” Os adversários que, na prática, digamos, ainda concordam 100% com Polanyi ficaram pouco sensibilizados com a homenagem de Garcia ao autor. Não porque o texto, mesmo sendo uma minuta, ignore os dois pontos fundamentais para o que consideram areal transformação: as políticas fiscal e monetária. Mas porque perderam mesmo as esperanças no PT. “Esperávamos que o PT fosse, desde o primeiro ano de governo, o partido da transformação, mas ele preferiu ser o partido da conservação”, devolve o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, pré-candidato do PSOL a presidente.
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