Depois de desmontar a retórica, Dilma restaura a face
Sérgio Lima/Folha
Já no discurso da vitória, Dilma Rousseff iniciou a desmontagem da retórica de campanha. Acenou com o fechamento da torneira dos gastos.
Dias depois, em entrevista no Planalto, flertou com o estímulo à ressurreição da CPMF. Um contrasenso para quem, nos palanques, prometera reduzir o fardo tributário.
Nesta segunda (8), em sua primeira aparição pública depois do repouso pós-eleitoral de Itacaré (BA), Dilma deu mostras de que pode recobrar também a face.
A presidente eleita exibiu-se às lentes do repórter Sérgio Lima com um rosto que a candidata não se permitia usar. Coisa parecida com a cara dos tempos de ministra.
A nova maquiagem, de estilo caseiro, deixou transparecer as rugas que sobreviveram ao bisturi pré-eleitoral. Por um instante, Dilma voltou a ser Dilma.
Em campanha, auxiliada pela cabeleireira e roupeira Rose Paz, assessora full time, ela não ia ao meio-fio sem levar uma espessa camada de cosméticos ao rosto.
Agora, já se permite ganhar o asfalto com o semblante semi-lavado. A despeito do descanso de quatro dias, exalava cansaço.
Rumava para o aeroporto, onde tomaria o avião para Seul, na Coreia do Sul. Viagem longa e fatigante.
Na reunião do G-20, talvez tenha de fazer as pazes com o estojo de maquiagem. No retorno ao Brasil, é mellhor que aposente o apetrecho.
Primeiro, porque é desnecessário. Afora seus encantos naturais, o poder dotou-a de um tipo de beleza que magnetiza instantaneamente.
Segundo, porque, na volta, mergulhará na série de reuniões em que o ministério será fechado. Encontros que exigem cara feia.
No livro “História da Beleza”, Umberto Eco deu a um dos capítulos o seguinte título: “A Beleza dos Monstros”.
No texto, anotou que, em todas as culturas, a concepção do belo sempre foi contraposta à ideia do feio.
Ressalvou que, em geral, é “difícil estabelecer, pelos vestígios arqueológicos, se aquilo que está representado era realmente considerado feio” noutras épocas.
“Aos olhos de um ocidental contemporâneo”, escreveu Eco, “certos fetiches, certas máscaras de outras civilizações parecem representar seres horríveis e disformes, enquanto para os nativos podem ou podiam ser representações de valores positivos”.
“Aos olhos de um ocidental contemporâneo”, escreveu Eco, “certos fetiches, certas máscaras de outras civilizações parecem representar seres horríveis e disformes, enquanto para os nativos podem ou podiam ser representações de valores positivos”.
Antes de Lula tê-la convertido em candidata, os políticos que visitavam a Casa Civil de Dilma viam nela uma representação do ser “horrível e disforme” de que fala Eco.
Uma criatura que, além da cara crispada, exibia a cintura dura –mais próxima dos rigores técnicos do que das manhas políticas.
Ao longo da campanha, ajudada pela treino oral e pelo retoque facial, Dilma passou a a ser vista pelos nativos como encarnação dos “valores positivos”.
Agora, considerando-se os apetites que a rodeiam, é melhor mesmo que Dilma apareça diante dos “aliados” com aquela sua bela cara de fera.
O rosto que usou na campanha perdeu, por assim dizer, a serventia. O assédio de homens faminto$ reclama da eleita um cenho severo.
O governo de Dilma estará mais próximo do êxito quanto maior for a sensação de desamparo de seus “aliados”.
O mais macho da coalizão –do tipo que não pede, exige; não encarece, chantageia— precisa se sentir como uma espécie de mulherzinha fragilizada.
A “nova” gestão roçará o sucesso no dia em que os membros do consórcio governista começarem a queimar cuecas em praça pública.
Em desespero, clamarão por seus “direitos”, rogarão pela volta do blush e do batom que adornavam a ex-candidata.
Escrito por Josias de Souza
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